Mariana Barreiros CONCLUSÃO 2016.2



O alimento

Vivemos no mundo do capital. Acreditamos que a comida nasce na prateleira do supermercado. Somos apartados da terra. Somos segregados do processo da vida daquilo que nos alimenta. Não conhecemos. Não vemos o óbvio.

Parei de comer carne há 11 anos. Mas nunca tinha realmente visto uma cenoura. Digo, não como experimentei o ser da cenoura durante a aula de biochip. Essa belezinha laranja que toca e une terra e céu. Pela primeira vez vi a beleza da cenoura. Brinquei com sua cor e forma. Descobri que ela tem sabores diferentes.

Descobri que o alimento contém afeto.

Uma frase que ficou marcada em mim foi “não estamos falando de nutrientes, mas de poesia”. A poética das cores do repolho roxo, da abóbora, da beterraba. O gosto da cor. O silêncio do branco do aipim. A mistura das instâncias sensoriais. Como uma pessoa pode passar 25 anos sem essa vivência?

Além das descobertas de prazer, descobri também a questão problemática envolvida nisso tudo. Somos “maquinizados”, ignorantes da vida que cresce, desconhecemos as safras porque elas são artificializadas, assim como o que comemos, assim como nós. Existe uma reflexão séria e profunda a ser feita a partir de toda essa experiência de contato com o alimento.

Uma brecha que se abre para pensarmos até que ponto somos ativos junto a vida da terra.

A vida

A partir desse questionamento, é possível pensarmos a potência presente nesse humano bicho da terra. Além da vivência junto ao alimento, é preciso pontuar aqui a vivência junto aos colegas. O viver em conjunto.

O ambiente acadêmico raramente proporciona essa convivência afetiva, íntima, colaborativa. Essa vivência e essa convivência são preciosas.

Em vez de explicar teoricamente a importância dos processos coletivos, ao prepararmos os alimentos em conjunto, introjetamos o valor do todo sem precisar elaborar isso de forma abstrata. Está tudo ali: na vivência.

Um lava, outro corta, um tira a casca, outro rala. No final, todos são alimentados, todos se alimentam. A farinha de mandioca, por exemplo, pede um processo colaborativo. Para espremer seu “suco” no voal são necessárias duas pessoas.

Enquanto executam as etapas de feitura dos alimentos, as pessoas entram num estado de serenidade contemplativa e conversam sobre qualquer coisa. Isso pode parecer banal, mas é algo extremamente importante.

Esse simples fazer e conversar desconstrói muito da lógica de produtividade contemporânea. Mostra que podemos ser produtivos e criar laços humanos ao mesmo tempo. Tudo isso numa atividade que aparentemente é trivial, mas na lógica da produtividade, muitas vezes os indivíduos são forçados a entrar numa dinâmica de competitividade e não de colaboração e troca humana.

Além da coletividade, também muito se trabalha na instância individual. Cada um concebe a importância de sua atividade como indivíduo para o objetivo do todo. Pegar seu material, cuidar dele da maneira adequada e guardá-lo ao final da aula, por exemplo. Tudo isso dá ao indivíduo um protagonismo no ambiente da aula porque ele não delega a ninguém suas responsabilidades. A harmonia e preservação daquele ambiente dependem da atividade individual dele.

Dessa forma, grandes aprendizados se colocam diante da turma. É evidente que cada um receberá, em suas subjetividades, diferentes pistas desses ensinamentos. Para mim, muito se transformou na percepção das relações entre a terra, o coletivo e eu.

A gratidão

O exercício de agradecer a cada aprendizado foi um pouco difícil para mim. Os processos que se davam internamente em mim aconteciam num tempo além-aula. Por isso, muitas vezes, não conseguia elaborar uma escrita ao final da aula. Algumas reflexões ficavam reverberando. E ainda reverberam.

Sinto que preciso enfrentar melhor esse exercício. Ainda não estava pronta para vivenciar aprendizados dessa maneira e logo em seguida organizar em palavras. É como se fossem duas esferas distintas a serem equilibradas. Peso e contrapeso: um exercício mais que necessário. De um lado da corda de sisal estava meu sentimento e do outro estava a compreensão dele.

Sou muito grata por estar enfrentando esses processos. Grata por não saber como lidar mas querer aprender.