LUISA STUDART CONCLUSÃO 2017.2



Luísa Studart

Relatos das gratidões – Convivencia com o Biochip 2017.2

Desenhando com cordas de sisal em grupo

22 de agosto de 2017

Agradeço a corda de sisal pelo fato de ampliar o entendimento do coletivo e a confiança no outro, que gerou em mim a noção de que sozinhos não podemos desfazer os nós e que também gerou em mim a libertação de entender que não estamos sozinhos nessa teia e precisamos pensar no coletivo. É preciso confiar, respeitar e entender o limite do outro para que o coletivo funcione de maneira harmônica. Essa harmonia não será possível se não entendermos que o nosso papel individual influencia outros fatores dessa teia, para bem e para o mal. Foi uma dinâmica linda e intensa para questionar o egoísmo que vivemos hoje em dia, pensarmos o coletivo e nos inteirarmos com uma turma, até então, tão desconhecida para nós. Ao final da dinâmica, parecia que o grupo já estava em equilíbrio há muito tempo.

Desenhando com cordas de sisal em 4 grupos

24 de agosto de 2017

Agradeço a corda de sisal por proporcionar o trabalho do coletivo que gerou em mim inúmeras sensações sobre a harmonia da confiança e que, sem ela, temos uma desorganização. É por isso que agradeço pela responsabilidade que temos uns com os outros através da corda de sisal para que seja possível que o grupo - coletivo - encontre-se em conforto, em uma posição que individualmente não seria possível. Durante a dinâmica pensava sobre a responsabilidade que não temos com os outros e nem com nós mesmos. Quando essa responsabilidade não existe, temos o caos, a bagunça, os nós - assim como estávamos no início da dinâmica em meu grupo. A corda de sisal já havia nos permitido o exercício da responsabilidade e hoje ela revelou mais um ensinamento e nos permitiu receber o outro grupo, aquele ao qual não estávamos acostumados. E como parece difícil receber o diferente! Porém, ao perceber a possibilidade da harmonia entre os grupos, entendi e ampliei ainda mais o meu conhecimento sobre responsabilidade. Ele deve existir pelo todo, partindo de você, passando pela pessoa que é diretamente impactada por você e, então, ter responsabilidade pelo coletivo.

Desenho de investigação com a cenoura

29 de agosto de 2017

Agradeço a cenoura pelo fato de ser múltipla, que gerou em mim a percepção de que a partir de um único ponto, podemos extrair várias possibilidades e sabores. É incrível como da cenoura podem vir metáforas e reflexões sobre a vida e sobre como nós não exploramos e esgotamos essas possibilidades. Tornamos o nosso viver mecânico, fazemos coisas sempre do mesmo jeito, assim como os alimentos. Na atual forma em que vivemos não exploramos essa multiplicidade e eu me senti livre ao perceber que elas existem e, melhor ainda, elas nos surpreendem. Se cortarmos a cenoura dos mais variados jeitos, ela terá os mais variados sabores. É a natureza nos dizendo para experimentar, explorar e que cada novo caminho é uma surpresa. A cenoura me trouxe a liberdade dessa busca pelo múltiplo.

Filme “Ponto de Mutação”

31 de agosto de 2017

Agradeço ao filme “Ponto de Mutação” pelo fato de trazer uma importante reflexão, que gerou em mim a contestação da nossa realidade, dos pensamentos e sistemas instaurados de forma a mecanizar a nossa existência. Desenvolver-se está ligado à evolução, porém, baseado em quais pensamentos? Através do filme nos impactamos sobre a ausência de um pensamento sistêmico e integrado. Por quê dividimos um todo em partes para entendê-los individualmente, ao invés de entendermos o conjunto? É por isso que tentam nos enquadrar em inverdades que não dizem respeito a nossa forma de vida e não compreendem a nossa realidade. O filme gerou em mim uma reflexão sobre a vida, sobre os sistemas e sobre a nossa ação do homem nessa grande máquina. Nós, enquanto homens, temos um papel importante nesse sistema, porém, nos colocamos em um lugar de conformidade que eu diria ser preocupante. Não somos máquinas, mas somos tratados - e nos tratamos - como tal.

Desenhando com cordas de rami em duplas + desenho individual

05 de setembro de 2017

Agradeço a corda de rami pelo fato de ampliar a minha percepção de mim e da minha interação com o outro, que gerou em mim a noção de que somos interdependentes. Todos os meus movimentos geram uma reação no outro, o que me levou a refletir que não estamos aqui sozinhos e, por isso, somos responsáveis por toda a forma com que impactamos alguém. Essa percepção é importante também para pensar a outra via: não somos suficientes sozinhos, com a participação ativa do outro podemos ser melhores. Daí vem a importância de abrir-se para o outro, para ampliar as nossas capacidades e explorar o universo proporcionado por essa troca. No individual, percebemos o quanto nos acostumamos a sermos mecânicos, podamos e medimos os nossos movimentos o tempo todo. A gente endureceu os nossos próprios corpos a troco de nada. A corda de rami nos ajuda a entender nosso corpo como um sistema único e interligado: qualquer movimento gera uma reação nessa teia (individual, dupla, coletiva). Agradeço pela capacidade de entender e aceitar cada parte do meu eu em harmonia com o que sou.

Filme “Camelos não choram”

14 de setembro de 2017

Agradeço ao filme pelo fato de ser sensível, que gerou em mim o questionamento sobre a diferença causada pela tecnologia em nossas vidas. Duas realidades contrastantes no filme me fazem questionar sobre o papel da tecnologia na nossa realidade, que está tão enraizada em nossos costumes. É automático estar conectado e, ao mesmo tempo que é bom e nos aproxima de realidades distantes, nos afasta da nossa própria realidade. Esse filme causou em mim esse questionamento sobre a perda das raízes, da tradição, da cultura. Nós viramos uma enorme cultura de massa e desapegamos daquilo que nos é de origem, dos nossos laços. Esse afastamento diz tanto sobre a nossa realidade, sobre a ausência de valorizar o simples em detrimento do megalomaníaco. Foi nesse caminho em direção ao tecnológico que muitos valores se perderam e nos transformaram em uma sociedade doente em tantos aspectos.

Desenho de investigação com fermentação

19 de setembro de 2017

Agradeço ao repolho roxo pela sua capacidade de contagiar as outras cores com a sua, que gerou em mim um questionamento sobre o nosso poder de contagiar e ser contagiado. O repolho roxo em especial deteve a minha atenção porque ele não pode ser misturado com o outro porque sua cor é capturada. Isto me fez refletir tanto sobre elementos que conseguem passar e contagiar outras pessoas, seja para o bem ou para o mal. É um ensinamento que, pode ter tocado só a mim, mas a minha interpretação se focou nesse contágio. Nos foi solicitado que usássemos pouco repolho roxo pelo seu poder de contaminação. E é isso. Acredito que a capacidade de outros elementos serem influenciados não diminui suas características, mas sim acrescenta-as. O repolho verde não se torna inválido porque “arroxeou”, mas foi impactado pela força do roxo. Acredito que essa capacidade do repolho também diga respeito às pessoas e sua força de contagiar e passar adiante a sua cor.

Filme “La belle verte”

03 de outubro de 2017

Agradeço ao filme pelo fato de demonstrar nossa cultura através de outros olhos, que gerou em mim a crítica sobre o nosso modo de vida. O fato como a nossa cultura é vista por outra completamente distante com completo estranhamento, nos faz analisar a nossa realidade através desse outro olhar. Comecei a pensar e criticar as nossas relações, nossa exploração e esgotamento de recursos, o egoísmo que a nossa sociedade tem e alimenta. É uma realidade triste de ser pensada, porém, o filme me colocou de cara com essa verdade que muitas vezes não aceitamos. A gente não aprende a questionar essa cultura, a forma como vivemos e que, na verdade, nos foi imposta. Por mais que já questionasse alguns dos pontos do filme, agradeço pelo embate que La Belle Verte causou em mim, em novos âmbitos e que me fez questionar minha própria cultura. O questionar é um importante passo para entender, concordar ou discordar, e evoluir.

Desenho de investigação com desidratação de raízes

05 de outubro de 2017

Agradeço ao processo em dupla de desidratar a farinha, retirando a água presente no aipim, pelo fato de compreender que esse trabalho só poderia ser feito a dois, que gerou em mim o poder de cooperação. O processo de torção do pano - cada um para um lado - não seria completo se realizado por uma só pessoa. Como dito, os indígenas não trabalham sozinhos e esse é o maior ensinamento que poderiam passar para nós: o coexistir. Dessa colaboração restou o bagaço do aipim que colocamos para desidratar com o calor. Nesses processos, além de tudo, pude perceber a versatilidade do aipim que de raiz transformou-se em farinha e leite e ampliou as suas possibilidades de paladar e funcionalidades para o nosso organismo. Hoje eu agradeço ao aipim por ter se apresentado como uma raiz tão valiosa e múltipla e por ter me proporcionado a colaboração.

Colorindo a farinha do aipim

10 de outubro de 2017

Agradeço aos sabores e às cores pelo fato de colorirem a farinha que gerou em mim a percepção de que os alimentos são pinturas com sabor. Ao cortarmos os alimentos em pequenos pedaços, possuímos maior contato para maior sabor do alimento. Além disso, uma comida repleta de cores, que vieram dos mais variados alimentos, ativa nosso paladar e nosso bem-estar de uma forma única. Uma outra percepção que eu tive, e agradeço por ela, é sobre o cozinhar em conjunto. O trabalho em equipe que, sem ele, não seria possível termos os resultados finais. Separar, descascar, cortar, lavar, faz parte de um trabalho que se inicia nas mesas e, através do seu desenrolar, o próprio grupo realiza uma dinâmica de cooperação e organização que possibilitam um resultado melhor e mais saboroso para o final do prato. O ato de fazer a sua própria comida é muito importante e, mais ainda, se ela é feita em grupo.

Comentário-reflexão sobre a gratidão de Biochip

Desde o início das aulas, as dinâmicas têm gerado em mim as mais variadas reflexões sobre a vida e a forma como vivemos hoje. Claro que ao falarmos de alimentos, falamos de vida e sobre as possibilidades que damos a ela. Quando visitei o Peru, fiquei emocionada pela maneira que os Incas eram gratos à Pachamama, a Mãe Terra, maior deusa deles. Eles agradecem a Pachamama porque ela que provém o alimento e, consequentemente, a vida. Desde então, essa gratidão sobre a terra e ao alimento não saiu de dentro de mim.

Ao me deparar com uma aula onde o coletivo trabalha para produzir a comida que será servida ao final, não pude deixar de refletir sobre a potência e energia que estaria sendo produzida por essas tantas mãos. Depois, ao perceber que estamos, com isso, agradecendo, alimentando, e respeitando a Mãe Terra, essa gratidão se potencializou ainda mais. Desse respeito a Ela, nascem os frutos que você, Ana, deve colher ao longo dessa jornada.

Muito lindo e muito gratificante poder fazer parte. Obrigada.

Investigação com a clorofila

Agradeço às sementes de trigo e girassol por terem me transformado em produtora da vida, que gerou em mim as mais diversas reflexões sobre o evoluir. Quero dizer, assim, que plantar, ver o crescimento e acompanhar a desenvoltura destes dois elementos me transformou. Agradeço a oportunidade que as sementes me deram de compreender o ciclo ativo de vida e todos os seus desdobramentos. Passa-se a entender o quanto de nós influencia nesse desenvolvimento, o ambiente em que ela cresce e o quanto há troca de energia entre o produtor e a planta. A resposta? Tudo de nós e do nosso ambiente transforma também esse ser cheio de potencial.

Transformar em suco as plantas me trouxe, de certa forma, um desapego ao vínculo e aos laços que criei por aqueles elementos. Só depois fui entender que, na verdade, esse processo de transformar em suco é um processo de vida e de luz. Agradeço às sementes, então, por terem me transformado desde a sua germinação.

Areias

Agradeço à areia pelo fato de ser teimosa, que gerou em mim a total falta de controle sobre as coisas e mais: a percepção de que está tudo bem assim. O importante é respeitar a dinâmica do funcionamento de cada pessoa, cada sentimento, cada espécie. Eu tenho um hábito de querer cuidar, guardar e ter todos os que gosto sob a minha proteção. Esse meu querer é impossível! Cada um tem sua forma de sentir e eu não posso impedi-las disso. A areia, teimosa, me mostrou que não adiantava onde eu a estava levando, sempre havia uma partícula dela pelo caminho. Luísa, pessoas e areia são fluídas, são infinitas. Deixe seus movimentos e aproveite os desenhos!

E é sobre a areia ser infinita, tão pequena e tão enorme que gerou em mim a percepção de que está tudo bem se você faz parte do bolo de partículas de areia ou se você é aquela areia desgarrada que ficou pelo caminho. Essa multiplicidade permite as mais variadas combinações e é por isso que tá tudo bem se parece que o mundo não foi feito para você e você é a areia desgarrada. Vai ter uma hora em que um monte de areia passará e te puxará para perto. Momento e identificação, mas as possibilidades são muito infinitas para serem consideradas únicas em algum momento. A beleza do infinito da areia na nossa vida lotada de infinitos.

E mais: a areia me trouxe possibilidades. É lindo poder ver tanto desenho, tanta vida e tanta arte sair da simplicidade da areia. É lindo olhar em volta e ver gerações desenhando. Quando foi que a gente parou de desenhar? E a areia é tão versátil e cheia de possibilidade que ela ampliou nossa capacidade de desenhar e perceber a arte. Ela é múltipla e um assopro transforma todo o rumo desse desenho. Esse elemento é mutável e faz com que cada movimento e desenho sejam únicos. Um deslocamento de qualquer grão transforma o desenho e a nossa percepção.

Obrigada, areia, por me fazer perceber que sua teimosia, possibilidades e infinitude podem transformar a minha vida e o meu conhecimento.

Conchas

Agradeço às conchas pelo fato de me falar sobre o esquecimento, que gerou em mim a tranquilidade de entender que o tempo é rei e sábio é aquele que já passou por tanta coisa. Digo isso porque minha avó vem passando por um processo lento de esquecimento, de coisas mais imediatas e superficiais. Porém, mesmo assim, um processo assustador de esquecimento. As conchas me revelaram coisas sobre o esquecer que talvez não compreendesse em momento algum. Elas, tão vividas e tão cheias de memória, me mostraram a peculiaridade do esquecer e o lado da sabedoria que isso traz. Nosso interior nunca esquece. Nossa memória está na nossa essência. O tempo de vida da minha avó trouxe consigo a beleza de lembrar de tanta coisa nesse caminho e fechar os olhos para o seu presente tão raso perto de tudo aquilo que já conheceu.

Esquecer não é um castigo. Às vezes só precisamos acessar outras formas de comunicação com as pessoas que mais amamos, mas que mais temos dificuldade de falar. Isso não serve só para quem tem se esquecido das coisas, mas até mesmo pessoas que não conseguimos manter um diálogo - pelas mais diversas razões. Agradeço às conchas por tamanha sabedoria sobre a vida, memória e o esquecimento. A compreensão de que o cansaço também nos faz esquecer me fez perceber que tenho uma sorte imensa de ter uma vó de 79 anos que tem muita história pra contar, muita saúde pra viver.

Esquecer faz parte do caminho e agora eu sei que sempre poderei acessar e me comunicar com essa senhora que tanto amo e com qualquer outra pessoa que me permita conhecer. Não poderia ter recebido maior presente, em momento mais oportuno desses elementos únicos, as conchas.

Manutenção da temperatura

Agradeço ao calor pelo fato de transformar as sensações do meu paladar, que gerou em mim a lembrança dos sabores “confortáveis” que estou acostumada a comer. O calor faz aquecer as nossas sensações e nos conforta, assim como a comida muitas vezes nos é um consolo. É incrível poder compreender que o calor pode estar presente no alimento sem que isso o impeça de ser vivo, o impeça de fazer circular energia. E essa energia proporcionada pelo calor é uma herança de comidas que confortam, comida de vó, de dia frio. Era como se aquela comida aquecida fosse capaz de me proporcionar as maiores delicias no sabor e, ao mesmo tempo, me desse colo.

Argila

[Não estive presente nesta aula, mas tive a oportunidade de interagir com a argila um ano atrás, em uma aula da Luiza Boechat, ex-aluna de Biochip. Até hoje não me esqueço do que a argila me revelou, e vou lembrar, mais uma vez, aqui.]

Agradeço a argila por não me deixar impor nenhum movimento e nenhuma forma à sua construção, que gerou em mim o entendimento de que não devemos moldar nada de acordo com as nossas percepções. Desde que recebi a argila, tentei moldá-la, formar esculturas ou imagens já familiarizadas por mim. Nada daquilo ficava, enrijecia, ou fazia sentido. Ao ponto em que a argila ia secando, endurecendo um pouco, e eu ia desistindo de insistir nas formas, a argila trouxe para mim a sua verdade. Enquanto secava nas minhas mãos, a argila me revelou a minha própria forma, o caminho das linhas das palmas da minha mão.

Desta sabedoria eu tirei o entendimento que eu tenho que passar a me enxergar, perceber minha própria forma, minha essência e parar de tentar organizar pessoas de acordo com aquilo que conheço. Nada… Cada um sabe a maneira de funcionar e eu não preciso ser essa “mão” para moldar pessoa alguma. Apenas devo tirar meus esforços de arrumar os outros para arrumar a minha própria casa, o meu próprio corpo, a minha verdade.

Hoje, um ano depois, agradeço à argila por sua sabedoria. Agradeço por nunca ter esquecido de seus ensinamentos e de suas sensações. Para reescrever esse texto e voltar um ano antes, reproduzi movimentos com as mãos como se a argila ainda estivesse entre elas. É como se ela estivesse sempre aqui, e eu sempre sentisse falta daquilo que ela tem para me ensinar. Por ser tão senhora, a argila é mãe da sabedoria e trouxe resposta para tudo aquilo que procurei um ano atrás, mas que segue vivo dentro de mim, segue sendo um ensinamento, uma verdade.

Frutas

Agradeço às frutas por permitirem a criação de lindas obras de arte comestíveis, que gerou em mim a percepção de que tudo que é uma forma de arte, uma forma de expressão. A partir de suas cores, texturas e formatos, criamos lindos quadros que oferecemos às pessoas de coração e alma abertos. Tudo aquilo que expressamos, que sai da gente, é arte. Assim como todos os quadros que desenhamos de maneira muito particular. Oferecer esse desenho é um ato sincero de se abrir e ser grata.

Festa da prova

Comida

Macarronada com molho de Amor

- Macarrão de abobrinha

- Tomate batido com cebola e alho

- Salsinha e cebolinha picadinhos

- Cristais de pimentão

- “Queijinho”: Castanha do Pará germinada ralada

Aquecer na panela de barro o molho de tomate até onde a mão suporta o calor e acrescentar a abobrinha.

Experiência :

Que dia lindo! Que felicidade poder estar cercada de algumas das pessoas que mais amo no mundo, e que foi tão bem acolhida por entre aquelas árvores. Como foi enriquecedor ver tantas transformações, tanta gente diferente, tantas gerações falando o mesmo idioma - mesmo que ele não fosse a língua portuguesa, acreditando no mesmo potencial dos alimentos, compartilhando a energia daquele ambiente e da festa que proporcionamos. As comidas realmente refletem aquele que a preparou, as comidas realmente trazem as reflexões e conclusões que o Biochip trouxe àquela pessoa. A felicidade de ver as horas passarem voando enquanto compartilhávamos vivências é inexplicável. Acredito que ainda precise de algumas Festas da Prova pra conseguir trazer as palavras para este texto. Gratidão sem fim explica o quanto foi bom desvendar alguns sabores, algumas pessoas.

O Biochip

[É o que tentei pôr em palavras no dia, mas elas vieram em forma de lágrimas e disseram isso a sua maneira]

Cozinhar é um ato de amor. E amor é a única coisa que eu sei fazer na vida. Na verdade, falar de amor é falar de vida. É isso que a gente fez esse período inteiro juntos: falamos sobre a vida e suas deliciosas estranhezas, dores, sabores. Nada melhor para falar de sabores do que explorando o nosso paladar. Vamos falar de vida explorando os alimentos da terra e, melhor, fazendo em comunidade. Cozinhar em conjunto como um ato de amor, sabedoria e conhecimento.

O Biochip me fez, ainda mais, ser grata pela Mãe Terra e o alimento que ela provém, a vida que ela permite. O Biochip me fez atentar para como tudo está interligado e como toda vida impacta na outra. A aula me trouxe a sabedoria de que estamos nos envenenando e, mais que isso, estamos perdendo nossa essência de sermos humanos - nos transformamos em seres que reproduzem um padrão programado e autodestrutivo. Um tanto quanto assustador.

É por isso que Biochip me tirou muitas vezes do meu eixo. Não nego que tinha dias que eu pensava se estava preparada para o choque que receberia. Por vezes eu ainda chegava na tenda digerindo o conhecimento da aula anterior. É muito difícil desenraizar construções sólidas que acreditamos durante tantos anos. É por isso que acredito que não quero nunca mais sair dessa tenda. Ainda tenho muita coisa para absorver e muita informação para assentar sobre esta verdade a qual fomos apresentados.

Gratidão pela troca, pela sabedoria. Espero nunca mais sair da tenda, mas que ela ainda habite em mim quando minha presença não for física em seu espaço.

Eu agradeço a esse ambiente mágico, a Ana, e por pessoas tão amplas terem feito parte dessa jornada comigo. Foi um incrível aprendizado que eu ainda continuo a assentar as informações por aqui. Que intenso. Eu agradeço a Mãe Terra - a Pachamama, que já havia falado por aqui -, por ter proporcionado e permitido todo tipo de vida que prezo em minha existência.

Entre as árvores

Existem coisas que a gente fica horas para conseguir entender. Outras, dias e dias. Algumas nunca entendemos. Às vezes não estamos preparados para receber informações ou sabedorias. Eu precisei de alguns rascunhos, folhas de caderno e reflexões no banho para pôr em palavras a infinidade de sensações que as aulas me geraram. Aquilo tudo era, no mínimo, mínimo, lindo. Ver pessoas lidando com a comida de uma forma tão respeitosa era uma forma de ver acontecendo tudo aquilo que eu sempre acreditei. Era a demonstração de gratidão e respeito pela Mãe Terra, o trabalho do coletivo, o entendimento das responsabilidades, enfim, a conexão entre todas as energias que permitem a nossa vida.

Produzir gratidões pode parecer fácil, mas na prática, quando aquilo te toca tão profundamente, parece não serem suficiente as uniões de letras. Mas produzir o discurso da gratidão é, acima de tudo, criar a possibilidade de perceber para além da nossa existência. As gratidões são individuais sim, mas elas são plurais quando representam o grupo - quando as pessoas se identificam com aquele seu discurso. No fundo, é importante perceber a força que ser grato pode gerar em todas as esferas, desde a menor até a maior - você como indivíduo, o seu grupo, comunidade, país, mundo. Ser grato ao Universo por tudo aquilo que nos permitiu perceber. E como ser grato deve ser um hábito na nossa rotina para entendermos que o tudo se entrelaça e se liga.

Aquela tenda, aquele ambiente, aquela presença ativa mudou muito a Luísa que entrou já sabendo que seria impactada. Ela só não tinha noção do quanto. E fez com que eu mudasse muito a minha percepção individual do meu eu. Para uns, o Biochip faz aprender muito sobre o coletivo, assim como fez pra mim. Mas o aprendizado foi além e se tornou um processo de reconhecimento de mim mesma - coisa que eu nunca fiz. Eu sempre negligenciei o meu ser em detrimento do outro e eu aprendi que temos que ser estruturas sólidas para, enfim, sermos bases de outras pessoas.

Parece louco pensar que todas essas reflexões surgem do ato de ‘cozinhar’, de tratar os alimentos e de interagir com elementos até então tão despretensiosos. Quando é que eu poderia imaginar que conchas e argila poderiam me trazer verdades e confortos tão grandes e intensos? Se é dos loucos, que sejamos loucos então. Que conversemos com conchas, terra, frutas, frutos. Que respeitemos os seres e sejamos acusados de malucos. Maluco mesmo é quem negligencia a comida e se mata de pouco em pouco.

Eu tenho muito medo do egoísmo que vivemos hoje. Tenho medo dos desdobramentos, dessa doença e desta cegueira causada pela vontade de se fazer apenas aquilo que diz respeito aos próprios interesses. Mal sabemos que, ao negligenciar tudo ao redor, o redor nos negligencia de volta. Que ciclo doentio nos metemos ao sermos egoístas, não é?

Reflexões que dizem sobre como eu acredito no poder de transformação da sala de aula entre as árvores. E entre as árvores moram os momentos mais inesquecíveis e os aprendizados que não poderiam nascer de outra forma. Entre as árvores mora uma mensagem de vida e de amor - ao outro e a si. Entre as árvores tem o calor que permite a vida. Entre as árvores tem a inocência e a sabedoria. Entre as árvores mora o tempo. Entre as árvores mora um conhecimento perene e genuíno. É lá que se revelam as pessoas que se deixam impactar por esse diálogo e aquelas que passam com fugacidade por ele. Entre as árvores moram momentos de gratidão. Entre as árvores mora a nova Luísa que nasceu lá no dia da Festa.

Luisa Studart