Gratidões de Bernardo Tavares

 

Agradeço ao tofu e ao repolho fermentado pelo fato de eles terem me apresentado novas possibilidades de sabor e de processo de feitura, o que gerou em mim uma vontade de me reconectar com a terra no que se refere ao que ingerimos e utilizamos como fonte de nossa força e energia, uma vez que ao provar esses alimentos, senti uma vitalidade diferente da que sinto quando como outro tipo de comida.

 

Agradeço à cenoura, pelo fato de ela existir junto com todas as possibilidades que sua existência esconde, o que gerou em mim uma enorme alegria em descobrir que existem tantos caminhos para além da minha percepção, além de uma paz muito forte em estar tendo uma relação tão direta com a terra, sem intermédio de processamentos, aquecimentos ou nada do tipo: apenas a terra e as minhas mãos.

 

Agradeço à corda de sisal, pelo fato de que o exercício com ela envolveu uma relação direta de confiança com pessoas que não conhecia muito bem ou sequer tinha intimidade, o que gerou em mim uma reflexão sobre o ato de confiar e como ele é importante para nosso próprio bem estar e como ele é também um exercício mútuo em relação ao outro.

 

Agradeço à corda de rami, pelo fato de ela ser fina, leve e ao mesmo tempo forte e resistente, o que gerou em mim uma curiosidade em relação ao quanto eu consigo me conectar diretamente com o outro e o quanto eu consigo me conectar diretamente a mim mesmo, encaminhando-me para a conclusão de que existe um universo ao meu redor e dentro de mim a serem explorados e que diante dos dois, nos resta aceitar nossa própria miudez e mergulhar num mundo de descobertas.

 

Agradeço às cordas de sisal, pelo fato de elas abrigarem não só a mim, como também a meus colegas dentro de uma teia orgânica e ao mesmo tempo tão contida, o que gerou em mim uma vontade genuína de me abrir e me entregar à conexão direta com a presença de outras pessoas, uma vez que em meio ao aperto embaraçado das cordas, pude me sentir seguro, confortável e estranhamente livre.

 

Agradeço ao repolho roxo, ao repolho verde e à cenoura pelo fato de eles terem cores tão diferentes entre si, o que gerou em mim um encantamento com a potência da natureza em gerar uma coloração viva, capaz de influenciar e ser influenciada, além de uma enorme curiosidade em descobrir o resultado disso.

 

Agradeço às cores da terra, pelo fato de elas serem tão fortes e tão diferentes entre si, o que gerou em mim um enorme espantamento em saber que a natureza nos oferece uma variedade de texturas e tons e cheiros e, por fim, sabores, lembrando-me que há um universo inteiro a ser descoberto e ele está debaixo de nossos pés, entrelaçado na terra.

 

Agradeço ao aipim, pelo fato dele possuir, dentro de suas infinidades, tantas texturas, formatos e sabores, o que gerou em mim um maravilhamento em enxergar no aipim, um alimento que nunca me chamou muito a atenção, um universo de possibilidades, e consequentemente um despertar para a minha pequenez diante dos inúmeros caminhos que a terra nos oferece.

 

Agradeço à farinha de aipim pelo fato de ela se mostrar possível, o que gerou em mim uma vontade de levar esse processo artesanal de contato com os alimentos adiante, uma vez que quero experimentar novos desenhos como esse, que se mostraram "fazíveis" e leves para o corpo e saborosos ao serem combinados com outros frutos da terra.
Agradeço ao filme “A carne é fraca”, pelo fato de ele conter um senso de urgência tão presente em suas fortes imagens, o que gerou em mim uma vontade de repensar minha relação com o consumo de carne, com base na experiência não só do ato de comer, mas também no ato de pensar todo o funcionamento da indústria alimentícia e sua influência no ambiente como um todo, da vida e bem estar dos animais ao gasto de água.

 

Agradeço ao filme “Camelos também choram”, pelo fato de que ele complexifica a ideia que temos sobre animais em geral, o que gerou em mim um desejo por entender melhor não só minha relação direta com eles, como também minha relação com tudo que de alguma forma é oriundo do mundo animal, além de entender que nossa relação com a natureza passa por um forte viés afetivo, o qual nem sempre notamos.

 

1) Eu agradeço às comidas feitas a uma temperatura suportável às nossas mãos pelo fato de elas não perderem sua energia vital, o que gerou em mim uma curiosidade em relação à "necessidade" de cozinhar, fritar e assar e à descoberta de novas formas de se preparar o alimento, formas que priorizam a vida existente dentro de cada elemento da terra.

 

2) Eu agradeço às conchas e aos cacos de vidro pelo fato de eles demonstrarem em sua existência a ação do mar e do tempo, que gerou em mim a redescoberta de um sentimento de profunda renovação todas as vezes em que eu adentrava o mar e o entendimento de que o tempo e a fluidez são capazes de suavizar nossas características mais agressivas.

 

3) Eu agradeço às imagens do balão pelo fato de se associarem a uma nova ideia do fogo, que gerou em mim a necessidade de rever meu entendimento sobre as queimadas, uma vez que elas podem ser uma porta aberta para a renovação; de certa forma, se pensarmos metaforicamente, isso muito dialoga com as grandes perdas e rupturas que sofremos ao longo da vida e que parecem queimar nossos caminhos, quando, na verdade, abrem espaço para o nascimento e amadurecimento do novo.

 

4) Eu agradeço aos filmes que assistimos no último dia de aula, pelo fato de eles transformarem em narrativa audiovisual uma filosofia diferenciada para se lidar com a terra, o que gerou em mim uma maior proximidade com tal temática, entendendo que a nossa relação com as sementes e com a forma de cultivo determinam também a relação individual de cada um consigo mesmo, uma vez que a terra faz parte de nossa estrutura tanto quanto fazemos parte dela.

 

5) Por fim, eu agradeço à Ana Branco e à Convivência com o Biochip, pelo fato de tal proposta de reeducação se mostrar tão aberta, tão leve e tão espontânea, que gerou em mim uma crescente curiosidade, desde o início da faculdade, em conhecer o universo do alimento vivo e, após um semestre de experiência, entender que há um longo caminho de reaproximação e reconhecimento da terra a ser feito e ao qual, graças a tal período, eu pude dar pequenos primeiros passos. O Biochip gerou em mim o entendimento de que uma revolução não precisa fazer tanto barulho se você estiver disposto a ouvir. Mil vezes obrigado!

 

Um grande e carinhoso abraço, Ana!