Gratidões de Helena Strattner

 

*Agradeço à corda de sisal pelo fato de unir o coletivo em equilíbrio e sensibilidade, dispondo de uma atenção intensa e estímulos aos nossos sentidos, na medida em que ambos estavam em alerta. Isso gerou em mim uma confiança e, logo, um conforto; uma entrega possibilitadora de liberdade, essa como emocional e corpórea.

 

*Agradeço novamente à corda de sisal por me permitir dessa vez me lançar um pouco mais, sentir a liberdade de uma forma cada vez mais acessível. Isso gerou em mim uma confiança em mim mesma, e além disso, a entender que podemos sim confiar no outro, e esse está sendo um dos meus maiores aprendizados.

 

*Agradeço à cenoura por driblar minhas percepções, por interligar o céu e a terra e por me permitir entender e provar os sabores de suas diversas formas, criadas tanto por mim quanto por de outros indivíduos. Além disso, agradeço por criar desenhos tão vivos e intensos, que ao mesmo tempo que me deu água na boca, era como se eu quisesse cultivar aquela arte, não a consumindo. Entretanto, eu já estava cultivando e possuída dela desde o início. Isso gerou em mim a possibilidade de usar meus sentidos e sentir o que eles têm a me dizer, confiando nos mesmos.

 

*Agradeço ao repolho roxo pelo fato de me lembrar o quão linda é a natureza e a força da Terra e o quão mágico é a sua movimentação interna; sua dança contemporânea, tão vibrante a ponto de fazer brilhar nossos olhos com o seu roxo intenso. Isso gerou em mim uma curiosidade em observar vivamente o processo migratório das cores, além de uma vontade de produzir mais meus alimentos através de um trabalho manual.

 

*Agradeço ao filme “Ponto de Mutação” pelo fato de me mostrar de forma mais saliente que tudo está conectado, e diante dessa crise de percepção que vivenciamos há tanto tempo, todos somos vítimas; somos todos uma teia inseparável de relações. Isso gerou em mim um olhar mais atento à minha rede, às coisas que eu recebo do mundo e doo para ele.

 

*Agradeço ao moedor pelo fato de me reconectar com as minhas origens ancestrais, trabalhar meu corpo e acompanhar o movimento e a transformação da aveia, do amendoim, do alho e da cúrcuma, que gerou em mim um respeito e reconhecimento do processo de produzir o alimento, me motivando cada vez mais a introduzir essa conscientização e atividade no meu cotidiano.

 

*Agradeço ao pão e ao guacamole pelo fato de gerarem uma explosão de sabores na minha boca, que me proporcionou uma atenção e um reconhecimento de todos os ingredientes ali juntados e preparados com carinho. Saí daquele espaço me sentindo mais viva e preenchida.

 

*Agradeço ao filme “La Belle Verte” por demonstrar, em uma linguagem literal, a simplicidade das coisas e suas diversas origens, que gerou em mim uma curiosidade em permear outros planetas ou simplesmente outras culturas, entendendo que o nosso estilo de vida e consumo não é o único existente.

 

*Agradeço ao aipim pela sua cor tão luminosa e pelo seu gosto transformado em doce; pelo escorrer de sua água que nos conectou à outros companheiros, além do fato de gerar em mim uma curiosidade e interesse maior por essa raiz.

 

*Agradeço à sopinha de aveia germinada, alho-poró e açafrão por me esquentar e produzir um gotinha da Terra confortante e natural. Sinto que venho buscando cada vez mais uma rotina baseada em tudo que a Terra me fornece (e é infinita a variedade dos presentes). Me sinto mais expandida, mais elástica e grata por todas essas explosões de sentidos que vêm iluminando meu corpo.

 

*Agradeço ao filme “Futuro Roubado” e “Conexão Dioxina” por me recordar mais uma vez o quão manipulados somos, em prol unicamente do lucro. É tão individualista a forma como o mundo vêm caminhando, que precisamos andar na contra-mão. É urgente a necessidade de expandirmos o conhecimento e informações a respeito do quão degradante é o mecanismo no qual as múltiplas indústrias jogam contra nós, com um discurso visando o nosso bem-estar. Me sensibilizo cada vez mais a respeito da possibilidade de se criar um novo mundo, um ambiente mais coletivo; a partir de um entendimento do que nos constitui, e, a partir disso, compreender que nós mesmos produzimos conhecimento. Cada um tem a força necessária para mudar essa lógica tão impregnada em nossos corpos e mentes.

 

Agradeço às conchas de Cabo Frio por me contarem suas histórias sem precisar de palavras, por conseguir me fazer voltar à minha infância tão lúdica, por resgatar em mim uma possibilidade de mudança ao me tornar concha. Isso gerou em mim uma busca por novos/antigos estados através do meu olhar. Agradeço também à descoberta da potência do mar de disponibilizar seu doce salgado para dar leveza, suavidade e preciosidade única às amargas, duras e afiadas bordas da vida na Terra. Diante desse triunfo, vejo as possibilidades que a nossa mãe Terra nos oferece para produzirmos, alterarmos e codificarmos o nosso conhecimento.

 

Agradeço à argila do manguezal pelo contato mais puro e direto com a nossa mãe Terra; por poder moldá-la em meu corpo e ter o controle mais incontrolável sobre ela e sobre mim. Gosto da argila pois me remete à minha infância, bem como um estágio que realizei aqui na PUC com o público juvenil, em que acessei novamente meu lado mais lúdico, mas dessa vez usufruindo desse material como ferramenta de trabalho. É incrível como, através da argila do mangue, pude sentir de forma mais saliente as diversas temperaturas do meu corpo, assim como a mudança de peso, textura e aspecto do material.

 

Agradeço às frutas e também às múltiplas mandalas criadas por nós, pelo fato de poder me abrir mais para esses deliciosos alimentos. Pude descobrir diversos sabores diferentes, e assim, acordar meu paladar. Agradeço ao arco-íris natural criado pela turma; pela representação geométrica única da relação entre nossa criatividade humana e a Terra.

 

Agradeço por cada encantamento meu gerado nessa aula. Agora, tenho a certeza que esses alteram a minha biologia. Me deslumbro com as descobertas que venho feito; desperto a minha criatividade e assim, vejo mais claramente meus valores. Essa sim é a maior revolução que posso fazer por mim. Venho me expandindo mais, me possibilitando a olhar para o mundo de uma nova forma. Tô até transformando meu medo do fogo e da morte; entendendo a beleza de ambos, bem como a importância dos mesmos. É preciso se libertar da eternização das formas; a vida eterna inclui transformações, mudanças; uma travessia que nós, humanos e ocidentais, interrompemos.

 

Agradeço à compostagem por me fazer visualizar o redesenho da Terra. Reiniciamos a nossa história na Terra, e até descobri que existe papa-defunto dentro de nós, assim como na Terra. Entendi que aprender a fazer Terra é igual a se alfabetizar; ficamos fortes na condição de humano e assim, cada descoberta nossa é uma morte para a cegueira anterior. Guardo essa frase pra sempre dentro de mim.

 

Agradeço aos balões pelo fato de representarem uma leveza que é tão, mas tão leve que chega até a flutuar no céu. Descobri que na Zona Oeste a homenagem que era feita aos professores era através de um balão e achei isso extremamente poético. Mais uma vez o fogo apareceu para mim como uma representação de força e grandeza, um aliado no qual se pode confiar. Assim como o livro apresentado pela Ana, venho aderindo um novo lema para a minha vida: O fim das certezas. Tô caminhando por aí.

 

Agradeço à festa da prova por me fazer acreditar, pela primeira vez, que eu tenho sim capacidade para construir uma refeição maravilhosa. Me impressionei com a variedade de alimentos incríveis que meu corpo teve o privilégio de saborear (muitos dos quais eu achava que não gostava). Agradeço pelo fato desse momento me fazer refletir a respeito dos inúmeros aspectos aos quais foi tão importante e gratificante para mim ter conhecimento e contato com o BioChip.

 

A convivência com o BioChip neste semestre serviu para me reconectar mais afirmamente com a Terra. Conversando um dia com a minha mãe, ela me deu de presente uma informação: "Lelê, quando você era pequena, sempre que você botava os pés na Terra, ía para o meio do mato, você se transformava; era felicidade pura".

 

Sinto que esse contato com o BioChip aflorou meu processo de transição profissional, de autoconhecimento e amadurecimento emocional; venho escutando o que meu lado mais puro tem a me dizer, e ele sempre recorre à Terra como mecanismo de cuidado. Acho que no fundo é o meu processo de autocuidado. Eu venho aprendendo a cuidar de mim de uma forma que se alinha muito com os meus valores. Cuido de mim quando como o que me constitui, que vem da Terra. À ela, sou eternamente grata. Grata por me fazer lembrar de quem eu sou, uma terráquea. A partir desse semestre, venho carregando isso sempre dentro de mim.