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Rute Casoy - novembro 2005

 

Escolher conviver com o biochip durante um semestre foi muito importante. Apesar de conhecer o biochip há alguns anos, pois são muitos amigos que praticam, inclusive a minha filha que se salvou de uma doença intestinal considerada crônica e incurável, é fundamental a convivência prática e cotidiana para que mudanças de hábito realmente aconteçam.

Com que convivo? com quem? com que concepção de vida? que alimento, que tipo de relacionamentos, que imagens, que energias, que idéias. Quais são minhas escolhas? Sou agente de minhas tramas, sou tecelã? Que capacidade tenho de discernir o melhor, o que abençoa, o que me leva a um encontro com as minhas potencialidades e talentos, comigo mesmo. Pergunta número um, assunto número um, tenho esta capacidade ou será que ela não está sendo minada pela propaganda, pelo apelo de sedução consumista cada vez mais bem camuflado e sutil exercido pela indústria do grande capital da grande ganância mundial. Poder escolher livremente minhas cores e texturas para exercer o meu desenho, minha assinatura é um ato político e um direito, de afirmação da minha singularidade, minha identidade. Escolher o biochip, ou seja a vida. A maçã, a soja, o côco, a semente do cacau o trigo germinado, a grama de girassol, a toalhinha absorvente e a lista não tem fim, dá bastante trabalho e implica em assumir responsabilidades bem altas com conseqüência destas escolhas. Toda opção tem um preço, eleger umas coisas e renunciar a outras no caso o preço de ir contra a propaganda das grandes indústrias, da grande e oficial ciência lucrativas e poluentes que precisam da nossa ignorância, da nossa avidez e preguiça para ganhar dinheiro e de poluir a natureza para produzir em escalas astronômicas, cada vez mais... Exercer o meu desenho diante dos alimentos, ou seja ser co produtor, fazer parte do processo vital e usufruir disso é um direito do qual me conscientizo gradativamente na medida em que através de uma alimentação (de comida, de afeto e de saber) criteriosa vou podendo fazer contato com a minha pulsação, minha essência minha subjetividade, minha profundeza, para retirar deste poço que é a minha interioridade a minha natureza própria que vai aflorando e libertando, mas também me posicionando na teia coletiva diante da minha responsabilidade, missão, ou do compromisso em fazer desenvolver minha plenitude devidamente tecida, construída e engajada e encaixada nas leis daquilo que é a realidade. Conceber a vida como teia, como um conjunto belo e harmônico, pois querendo ou não eu participo, faço parte, sou parte. Algo em mim é totalidade e outro algo em mim é parte integrante, penso que preciso reverter o sentimento de prisão, em prazer em ser partícipe, aprender a dançar no meio do grupo, do coletivo. Isso foi o trabalho com o sisal.Aprendi que fazer contato com a grandeza da minha singularidade não é incompatível com a participação essencial necessária no processo de realização da vida. Um equilíbrio muito fino e sutil entre ying e o yang que há em mim. Estar aberto para trocar com fazem os amantes, os bailarinos, os mestres e seus discípulos, um aprender ensinando e um ensinando aprendendo. A busca do entrosamento dinâmico e perfeito. A assinatura que aflora das profundezas do meu ser é resultado da informação que o alimento vivo traz, informação como investimento, como irrigação, como trato cultural, como aposta, como fé, como escolha, como história, trajeto. A semente germinada por mim agradece reciprocamente em forma de quebra de dormência que me afeta quando por mim ingerida e vai se integrando no meu organismo, nos meus processos metabólicos me contando histórias maravilhosas do céu, da terra , da água, do fogo e do ar, histórias bem sucedidas e com finais felizes no seu destino natural de ser alimento. Bem diferente da história do hambúrguer abatido covardemente enquanto boi, num registro de dor inenarrável nos enzimas de sua carne. Então nas aulas de argila, concha e areia aprendi a possibilidade de afetar e ser afetado como um enriquecimento legítimo resultante destas trocas abundantes que no fundo formam a vida. Acontecer não é nada mais do que isso, compartilhar, irradiar e ser irradiado num diálogo feliz, uma metamorfose ambulante lúdica e brincante. Escolher o biochip também obriga a encarar a questão da dependência, do vício. O vício é uma maneira de fazer de conta que está tudo bem, que não falta nada na hora que mais falta. É uma maneira de não entrar em contato com as minhas insuficiências, minhas feridas, minhas dores, minhas frustrações, meus complexos, meu desamparo, minha solidão, meus impasses, minhas fobias.O vício sempre encobre uma mutilação, é uma maneira de matar minha interioridade com seus plenos ou vazios. Se estou fraquinha e sòzinha me fortaleço nas drogas, excesso de café, guaraná, açúcar, carne, gordura, vou buscar o alimento que me dá a sensação mais imediata possível de saciedade, de anestesia e amnésia, um pseudo alimento colorido e perfumado artificialmente que chega sem estopo, história bonita pra contar e sem me solicitar transa e diálogo com no caso da germinação, sem história própria, sem suporte, sem consistência e por isso não pode afetar. O alimento verdadeiro é para ser compartilhado porquê traz o registro da totalidade com sua decorrente beleza cósmica dentro de si e é isso que nos alimenta, pois queremos todos, em algum momento pelo menos, nos impactar com o fenômeno estético que carrega e dá sentido ao viver. Matar a fome é um termo bélico que representa o contrário da constelação, compartilhamento aberto e generoso, que estamos essencialmente buscando. Quando nos satisfazemos apenas em egoisticamente matar a nossa fome pessoal estamos agindo como os EUA no Iraq, não exercemos nossos desenhos com as próprias mãos, não nos sensibilizamos para o afeto, não recebemos a informação matricial da vida, não aprendemos a dançar e nem somos impregnados pelos pigmentos de luz e acabamos em escassez e isolamento, pobres, obesos e desnutridos. As queimadas na floresta também matam a fome da agropecuária, que é obrigada a matar a fome dos bois, das vacas , dos porcos que por sua vez matam a fome do primeiro mundo e deixam nossos milhões de lavradores quase mortos de fome, o agrotóxico também mata a fome, a dioxina idem, fome de lucro, resíduos são os cadáveres insepultos, efeitos da fome morta. A fome não é para ser morta, mas para ser lida,bem interpretada ela pode aí sim, nos direcionar para as bênçãos de encantamento, do já citado fenômeno estético, pois a fome é busca de beleza dos cosmos, beleza em estado puro, busca de poder criativo, de estar incluído nas melhores histórias para ser feliz, livre e capaz de construir e fazer manifestar os alicerces do caminho. Quero entender que meu poder criativo é atuante em qualquer circunstância, se sou capaz de me apropriar dos meus processos e caminhar com o que tenho ao alcance da mão, percebo meu coração abundante, generoso, rico, bem nutrido e vivo e sei que nada acontece fora de mim que já não tenha acontecido aqui.

Rute Casoy novembro 2005

 

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