GASTRONOMIA

A dieta da pré-história - continuação

Guilherme Russo


 

 
VENDA Uma vez por semana, na Feira do Desenho Vivo, no Rio, aprendizes de crudivorismo vendem os pratos experimentais a R$ 2

O guru David Wolfe, de 34 anos, declara estar longe do cozido há uma década. ''Só porque conseguimos mastigar algo e viver o suficiente para contar a história, não significa que estejamos consumindo a melhor comida'', ironiza. Wolfe tem seis livros sobre o assunto e comanda o site Nature's First Law (www.rawfood.com), que comercializa mais de 500 itens relacionados à nova dieta. Os crudívoros americanos sustentam que o ser humano só deve comer frutas, castanhas e folhas verdes. Os brasileiros complementam com grãos germinados. ''Crudivorismo é simplesmente a dieta eterna de todas as criaturas da Terra'', prega Wolfe. Provavelmente ele não liga para as evidências antropológicas. A partir das arcadas dentárias de nossos ancestrais e de restos encontrados em sítios arqueológicos, elas apontam para uma dieta variada, até com carne putrefata. Além disso, estudos mostram que vários alimentos ''naturais'' e ''orgânicos'' são tão perigosos quanto qualquer outro quando consumidos em excesso - brotos de bambu podem conter cianeto e já mataram muita gente, excesso de grão-de-bico causa até lesões ä neurológicas e soja pode provocar desequilíbrio hormonal em mulheres. Wolfe, que prega contra as ''grandes corporações'', afirma não saber se é ou não um homem rico. Mas diz que reinveste 70% do que ganha e doa 20% para sua ONG, a Fruit Tree Planting Foundation (Fundação Plantadora de Árvores Frutíferas), cujo objetivo é cultivar 18 bilhões delas pelo mundo.

 

''A decadência do homem começou com o uso do fogo. Com uma maçã e amêndoas já temos um almoço''

FERNANDO TRAVI, terapeuta

Embarcar na nova prática não é tão natural quanto se prega. Para superar as dificuldades, surgiu a figura do raw-coach, espécie de treinador aos aspirantes do crudivorismo. O terapeuta Fernando Travi, praticante da dieta há cinco anos, assessora a mudança gradual dos interessados. Ele se refere à prática como Biogenia, uma ciência que, ao pé da letra, significa geração de vida. ''A decadência do homem começou com o uso do fogo'', afirma Travi. O ex-psicólogo recomenda que os vegetais sejam consumidos inteiros e que as refeições incluam, no máximo, três alimentos distintos. ''Com uma maçã e um punhado de amêndoas já temos um almoço.'' Concorda com os preceitos alimentares de David Wolfe, mas aconselha também leite fresco de vaca aos pacientes. Planeja para breve realizar oficinas de crudivorismo em uma fazenda na região de São Francisco Xavier, no interior de São Paulo. Será o primeiro spa cru.

 

No Rio de Janeiro, há até um grupo de estudos. O Biochip foi fundado por Ana Branco, professora do Departamento de Artes da PUC, que vive de vegetais crus há dez anos. A dieta já virou princípio artístico. A partir de extratos das frutas, sementes e hortaliças, Ana cria pigmentos para compor o visual dos pratos.

Inspirada na experiência de mudança alimentar, a médica Maria Luiza Nogueira, irmã de Ana Branco, criou na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) o projeto Terrapia, um campo de experimentação para as descobertas do Biochip. ''O crudivorismo, ou alimentação viva, trabalha com o conceito de energia vital'', afirma a médica. ''A dieta se baseia na Biofísica, que estuda as questões dos elétrons, dos fótons, dos campos eletromagnéticos. Você alimenta esse campo, não necessariamente a matéria'', explica. O Terrapia, fundado há sete anos, tem uma horta orgânica e um centro comunitário, aberto ao público. De segunda a sexta-feira, os interessados podem aprender a fazer suco de clorofila e preparar comida crua. Antes de comer, entoam um cântico indígena cujo refrão, ''biu-porã'', significa ''comida boa''.

 

ARTE Pigmentos derivados dos vegetais são usados para embelezar os pratos

Fotos: CarlosMagno/ÉPOCA

 



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Edição 341 - 29/11/04



 
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