Desenho vivo

Laboratório Itinerante de Pesquisa do Aprendizado com Modelos Vivos

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VI Festival da Primavera em Nazaré Paulista SP

     

 

Gratidões

Tomás de Oliveira Taulois

       

 

Agradeço o calor de meio dia de Nazaré Paulista, que me fez voltar a suar, depois de tantos meses de muito frio seco e solidão em Barão Geraldo. Gerou em mim saudades de uma época em que pra mim suar não era uma exceção.

 

Agradeço ao (imenso) pneu traseiro esquerdo da Land Rover pelo reencontro não-planejado, casual e intuitivo de hoje. Estava suando e ajudando a Ana Branco a arrumar a baleia em cima da Land Rover, com as portas abertas e subindo no chão do carro pra eu ficar mais alto e ajudar melhor, como sempre fiz. Mas, pra amarrar as cordas na parte traseira, eu não tinha onde pôr os pés e sempre me desequilibrava, e toda hora ficava instável, sem base, tendo que me segurar pelas mãos e, ao mesmo tempo usá-las pra amarrar as cordas, com os pés quase soltos no ar. Até que, de repente e quase sem querer, subi no pneu traseiro, solução que já usei mil vezes nas mil vezes em que ajudei a Ana nessa amarração, mas tinha esquecido completamente. No meu impulso não-consciente de subir no pneu, imediatamente veio junto a memória de todas as vezes que fiz aquilo. Imediatamente veio todas as viagens, todos os preparos, todas as expectativas, os esforços, as esperanças. O pneu da Land mostrou pra mim que mesmo que eu esteja distante, e mesmo que eu ache que esteja enferrujado nas práticas do Biochip, mesmo que eu considere que as tarefas e o cotidiano não estão mais no meu consciente, toda a minha história permanece escondida em algum lugar em mim, pronta e louca pra ser redescoberta.

 

Agradeço a Ana ter me ensinado uma vez que gratidão, ou se faz no dia, ou não se faz nunca mais. Gerou em mim a necessidade de ligar o computador, mesmo bastante cansado. Gerou em mim, muito além da necessidade, a vontade de ligar o computador, por estar tão agradecido pelo dia que vivi. Agradeço a Ana Branco pelo pouco que consegui assistir da apresentação da pesquisa na UniLuz. Gerou em mim uma renovação de fé. Porque, afastado durante tanto tempo do Rio de Janeiro, e de tudo o que me trouxe pra cá, tanto a água mole do cotidiano paulista repetido bate, que a pedra dura da minha função aqui na Unicamp um dia ainda acaba furando. Mas apenas se eu permanecer só. Um dia de Biochip apaga seis meses de distância. A água mole até fura, mas a pedra é dura não porque é inquestionável ou inabalável, mas porque se transforma sempre, se renova, muda. Seis meses pra furá-la. Seis horas pra ela voltar muito mais firme do que sempre foi. Enquanto ouvia a palestra, as perguntas e as respostas, fiquei lembrando dos meus sonhos pré-Unicamp, minhas motivações, meus impulsos. E constatei que a água mole da lavagem cerebral teve alguns efeitos em mim. Frágeis como um cristal. Gerou em mim atenção no meu caminho do jeito que sempre quis.

 

Agradeço ao Acaso ter decidido quem iria à Nazaré Paulista com a Ana e, assim, por ter achado pra mim um encontro com a Rosi um ano depois de termos nos visto pela última vez, segunda ela, na festa de Nossa Senhora de Aparecida na casa da Ana Branco, com direito a procissão completa, suco, almoço, com Lourdes, Rosi, Ana, Socorro... Só a nata da nata da nata. Nesse dia, eu tinha vôo de volta pra Campinas e perdi a torta da noite. E quase não vi a Socorro. A solução do Acaso pra esse reencontro gerou em mim muitos beijos e abraços em uma bela parceira dos meus anos de feira. Parceria do passado, no presente e pro futuro.Agradeço à Framboesa, à Ana, à Rosi e à Amora o meu almoço de ouro na horta da UniLuz. Gerou em mim a vontade de construir um almoço desses em casa, pros meus filhos, pros meus netos, pros meus vizinhos... (Agora meu cérebro realmente parou de funcionar, vou dormir...)

 

(6:29 da manhã de domingo, em Campinas)

 

Agradeço ao Biochip ter me posto de volta nos trilhos do meu horário biológico. Estava dormindo cada vez mais tarde, lendo e escrevendo, aproveitando cada vez menos o dia, acordando tarde. Acabo de acordar, nem consegui desligar o computador ontem à noite, e retomo as gratidões agora. Trabalhar de dia, dormir de noite, como os passarinhos que cantam agora, mesmo na chuva. Gerou em mim a esperança de não mais negociar as exigências acadêmicas com as necessidades do meu corpo.

 

Agradeço ao Biochip o extremo cansaço de ontem, que me fez dormir sentado enquanto escrevia as gratidões. Acordei agora com a sensação de ter dormido de tanto trabalhar, acordando cedo e dormindo meia-noite pra poder ir e voltar no mesmo dia, trabalhar intensamente e escrever as gratidões antes de dormir. Dormir de profundo cansaço, dormir sem querer dormir, dormir porque o corpo já não agüenta mais. Poucas glórias são maiores do que essa. Poucas sensações são mais prazerosas do que essa. O cansaço de ontem gerou em mim o acordar na manhã chuvosa de domingo me sentindo um rei.

 

Agradeço ao Biochip ter trazido a chuva pra São Paulo. Foram três meses de seca, com tudo seco, com a grama queimada, com o ar grosso, com as árvores esturricadas, com o nariz doendo, e hoje pela primeira vez desde muitos meses acordo com muita chuva, céu fechado, água, frio molhado, cheiro de Barão Geraldo de novo na minha vida. A nova chuva gera em mim a certeza de que sou da primavera, e não do inverno.

 

Agradeço à Rosi o providencial banquinho que ela arrumou pra fazermos a digestão das amoras com framboesas, debaixo da Amoreira. Quando vi que ela estava sentando pensei que isso era tudo o que meu estômago mais queria naquele momento. Gerou em mim a sensação de que o papo entre o bucho e o cérebro era o mesmo em mim e nela.

 

Agradeço à Rosi a forma fina como ela faz o suco, em contrapartida ingredientes. Para a Rosi, absolutamente nada entra no suco se não for devidamente convidado e se não tiver um lugar pra ele ali dentro. Não entram penetras no suco da Rosi, mesmo que sejam penetras lavados e cortados. Quem aparece de surpresa na hora, fica do lado de fora. Eu não, sempre pus pra dentro o que encontrasse pela frente. A Rosi me mostrou que a sua extrema preocupação com o sabor do resultado é que faz com que ela tenha essa mão tão boa pras feituras vivas todas que faz. Gerou em mim perceber que ainda tenho um longo caminho pela frente.

 

Agradeço à Ana Branco as mangas pro meu jantar de hoje, e ao nariz da Rosi ao denunciá-las. Recebi essa iguaria tão rara em Campinas, cheio de saliva pra matar a saudade de uma comidinha de frutas ao molho de manga. Gerou em mim uma viagem de volta com os vidros fechados só pra ficar cheirando a manga muito mais intensamente!

 

Agradeço a mim, por saber tanto qual é o meu lugar. Por não me deixar seduzir, por não acreditar em mentiras, por não me desvirtuar, apesar dos caminhos sempre tortos. Gera em mim conforto, calma e certeza.

 

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