Gratidões de Marcella Zeitune


Agradeço à corda de sisal pelo fato de ter me possibilitado explorar partes de mim que eu jamais conseguiria sozinha se não fosse pela formação da teia, grupo e rede. Percebi o quanto a minha presença afeta o grupo por simples ajustes ou tropeços. Todos sentem cada ação minha e, ao mesmo tempo, eu sinto cada ação do outro, me permitindo afetar e ser afetada. Não há separação apenas união. Tensão que leva o relaxamento. Essa experiência gerou em mim uma possibilidade de entender melhor o funcionamento e a importância do grupo e da autogestão. Não existimos sem o outro.

Agradeço à corda de rami pelo fato de ter me proporcionado essa experiência vivencial capaz de me fazer descobrir novas formas de relação. Primeiro em duplas e depois sozinha. Isso gerou em mim uma reflexão à respeito da preferência e interesse em relação de grupos envolvendo mais pessoas do que apenas estando sozinha. Já tinha observado esse fato em mim, mas hoje ficou mais nítida a sua identificação. Parece que me sinto muito mais potente quando tenho a possibilidade de explorar/entender quando existem mais opções de conexões.

Agradeço ao repolho, abóbora, inhame, beterraba e maça pelo fato de terem me proporcionado a experiência de conhecer suas cores e seus sabores reais, assim como misturados também. Cada textura, surpresa, estranhamento geraram em mim uma descoberta que talvez nunca tivesse experienciado se não estivesse aqui. Durante a aula também houve uma pergunta sobre conserva. Aprendi que o tempo é o agora, não existe o depois. Após algumas horas, o gosto e o valor nutricional se alteram, se transformam em direção à morte e a não vida. Por isso, só comemos morte. Conservar só serve ao comércio e à economia. A saúde vem da terra.

Agradeço o filme "La Belle Verte" passado hoje pelo fato de ter me proporcionado essa experiência de reconhecer em uma produção cultural muitos valores que hoje compreendo e vivo em minha vida. Isso gerou em mim uma sensação boa de pertencimento, admiração, gratidão pois aprendi a ver o planeta e suas relações através de uma perspectiva muito similar ao filme. Adoraria poder gerar consciência nas pessoas através da "desconexão" que eles realizam no filme e da forma que realizam, colocando as mãos na cabeça e BOOM! Mas também entendo que cada momento é oportuno. Vivemos toda essa destruição para de fato honrar e valorizar o que ainda não sabemos à respeito de nós mesmos e de nosso planeta.

Agradeço a areia pelo fato de demonstrar sua existência leve, mutável, fluida que gerou em mim tamanha flexibilidade e entendimento à respeito dos ciclos de início e ciclos de término. Foi lindo observar a construção e desconstrução das formas. As sensações de afago, carinho que vinham e iam. Nada permanece, tudo se transforma. Sua dificuldade de condicionamento. Logo escapulia. Polida, fina abrindo caminhos que logo se desfaziam. Fazendo seus momentos únicos, presentes, jamais permanentes. Bastava um vento e o grão pulava. De grão em grão, de célula em célula, a unidade se expande e vira o todo, que vira um de novo. Ao mesmo tempo que gruda, se vai. Ao mesmo tempo que vai, se condensa. É uma eterna dança, uma criança inquieta, seria eu? Basta um movimento, um vento e não sou mais a mesma.

Agradeço ao aipim pelo fato de descobrir a sacralidade de sua energia, na comunhão entre as pessoas, na música e sua intenção, nas mãos e suas habilidades. Isto gerou em mim a oportunidade de relembrar uma vivência de Sagrado Feminino que eu vivenciei e organizei. Além disso, uma memória de Vandana Shiva. A maternidade. Muitas pontes se fizeram hoje - conexões. Sagrado, abundância, energia feminina, maternagem, mãe terra, mãe geradora, reconexão, oração, comunhão, alimentação, comer e orar.

Agradeço a cenoura pelo fato de ceder sua forma, nutrientes, tempo de crescimento, em prol do conhecimento humano. Foi incrível poder experienciar sabores, desenhos, texturas e descobrir tudo que foi possível neste tempo à respeito da cenoura e suas possibilidades. Sinto que a minha relação com o alimento vai começar a mudar - pra melhor. Isso gerou em mim um insight! Através da meditação há um ano atrás, tive uma sensação sobre um possível caminho que eu poderia seguir para descobrir meu propósito/missão - o caminho da alimentação me traria a conexão que preciso. Hoje relembrei desse momento com muita clareza. Me revigorou. Novos tempos virão. Obrigada Ana Branco!

Agradeço ao filme" Ponto de Mutação" pelo fato de ter me mostrado o contexto histórico do pensamento humano e como tudo isso se desencadeia atualmente. Isso gerou em mim a reflexão de que somos consequência evolutiva do todo, nós com o planeta, nós com o Universo, evidenciando que tudo está cuidado. Estamos vivendo essa convergência de crises por necessidade/consequência da forma que interagimos e olhamos para o mundo. E precisamos vivê-la para mudar, nos modificar. Não saberíamos disso e não passássemos por isso. Hoje ficou claro a nossa necessidade de mudança de percepção da vida e o quando isto será de fato transformada através da consciência através da convivência, e que todos nós fazemos parte dessa teia de relações universais.

Agradeço ao repolho roxo, branco e cenoura por terem me mostrado a possibilidade de fazer arte com fermentados. Isso gerou em mim um encantamento e sensação de curiosidade para ver o resultado que será gerado por fazermos experiências e experimentos. Foi muito especial sentir a colaboração entras as pessoas e o resultado diverso que aconteceu.

Agradeço à terra de 1, 6 e 12 meses pelo fato de ter me inspirado em aprender sobre a eternidade da vida, sobre metamorfose. Transformações, os ciclos da vida morte vida. E tudo isso gerou em mim a reflexão de que se não soubermos honrar e valorizar as transformações estaremos fadados a sofrer, ter medo, desconexão e falta de entendimento à respeito das bases e da sustentação da vida. Estar próximo dessas relações te torna mais vivo! Leve...fluido...

Movimento = ação. Permitir o fluxo. A desconfiança gera paralisação. A vida se perde. Se não existe movimento, não existe vida. Para a teia se formar, é necessária tensão. Se permitir afetar e ser afetado. Confiança: se alguém sai, a gente se reorganiza e segue.

Eu agradeço a couve, girassol, trigo, hortelã, chicória e maçã pelo fato de terem me ensinado hoje sobre sabores, cheiros, texturas. Isto gerou em mim a reflexão sobre a diversidade, gostos e escolhas. O fato de não gostarmos de certos sabores se diz respeito ao nosso paladar infantilizado e viciado/compulsivo. Ainda comemos como bebês e isso nos impede de crescer, nos desenvolver. Me bate uma tristeza e sede por responsabilidade. Cabe a nós, diariamente, a escolhermos primeiro ao invés de ser refém da indústria.

Eu agradeço às frutas cítricas, doces e neutras por terem me ensinado hoje a detectar a sutileza dos sabores e suas misturas ideais. Isso gerou em mim estranhamento, surpresa e maravilhamento por poder vislumbrar a diversidade que temos e que muitas vezes não conhecemos. As frutas acabam sendo as mesmas, os gostos os mesmos e as texturas idem. Temos medo de arriscar? Sair do comum? Cadê a criatividade, a inspiração, a criação, novo? Ousar se torna necessário se queremos um mundo novo. O incômodo faz parte da mudança e a mudança é certa. Que sempre possamos nos permitir sair da zona conhecida em direção ao desconhecido, e de fato, desfrutar do que podemos aprender.

Eu agradeço às conchas pelo fato de me apresentarem sua beleza, forma, cor e textura representando uma impressão digital do Universo. Cada concha transmitia uma mensagem, uma história, uma conexão com esse planeta como um reflexo de vida no meio. Vi em casa uma um reflexo de mim, do meu corpo, das minhas formas, que também é capaz de transmitir sua história de vida. Isso gerou em mim um reconhecimento e pertencimento perante tudo que é vivo, tudo que cria e se transforma. Pequenas conchas são capazes de te mostrar o caminho para a totalidade, basta ajustar nosso olhar para a vida e suas mensagens que você descobre como se conectar. Esteja no mar e permita-se ser abraçado. Nenhuma concha é sozinha. Nenhuma concha é igual a outra.

Eu agradeço à sensibilidade dos micos que vieram para a tenda guiados pela fragrância que a canjica viva exalou. Até eles perceberam a iguaria que estava sendo feita aqui hoje. Dia de celebração! Isso gerou em mim uma reconexão, uma vontade de ser melhor, de conseguir, persistir. Às vezes sinto que estou sendo levada pela maré, mas estar nessa aula, presenciar a experiência, me desafiar a cozinhar com pessoas me alinha, me traz para o eixo. Criar esse sistema de apoio que toda e qualquer mudança necessita.