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VENDA Uma vez por semana, na Feira do
Desenho Vivo, no Rio, aprendizes de crudivorismo vendem os
pratos experimentais a R$ 2
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O guru David Wolfe, de 34 anos, declara estar longe do cozido há
uma década. ''Só porque conseguimos mastigar algo e viver o suficiente
para contar a história, não significa que estejamos consumindo a
melhor comida'', ironiza. Wolfe tem seis livros sobre o assunto e
comanda o site Nature's First Law (www.rawfood.com), que comercializa
mais de 500 itens relacionados à nova dieta. Os crudívoros americanos
sustentam que o ser humano só deve comer frutas, castanhas e folhas
verdes. Os brasileiros complementam com grãos germinados. ''Crudivorismo
é simplesmente a dieta eterna de todas as criaturas da Terra'', prega
Wolfe. Provavelmente ele não liga para as evidências antropológicas. A
partir das arcadas dentárias de nossos ancestrais e de restos
encontrados em sítios arqueológicos, elas apontam para uma dieta
variada, até com carne putrefata. Além disso, estudos mostram que
vários alimentos ''naturais'' e ''orgânicos'' são tão perigosos quanto
qualquer outro quando consumidos em excesso - brotos de bambu podem
conter cianeto e já mataram muita gente, excesso de grão-de-bico causa
até lesões ä neurológicas e soja pode provocar desequilíbrio hormonal
em mulheres. Wolfe, que prega contra as ''grandes corporações'',
afirma não saber se é ou não um homem rico. Mas diz que reinveste 70%
do que ganha e doa 20% para sua ONG, a Fruit Tree Planting Foundation
(Fundação Plantadora de Árvores Frutíferas), cujo objetivo é cultivar
18 bilhões delas pelo mundo.
''A decadência do homem começou com o
uso do fogo. Com uma maçã e amêndoas já temos um almoço''
FERNANDO TRAVI,
terapeuta |
Embarcar na nova prática não é tão natural quanto se prega. Para
superar as dificuldades, surgiu a figura do raw-coach, espécie de
treinador aos aspirantes do crudivorismo. O terapeuta Fernando Travi,
praticante da dieta há cinco anos, assessora a mudança gradual dos
interessados. Ele se refere à prática como Biogenia, uma ciência que,
ao pé da letra, significa geração de vida. ''A decadência do homem
começou com o uso do fogo'', afirma Travi. O ex-psicólogo recomenda
que os vegetais sejam consumidos inteiros e que as refeições incluam,
no máximo, três alimentos distintos. ''Com uma maçã e um punhado de
amêndoas já temos um almoço.'' Concorda com os preceitos alimentares
de David Wolfe, mas aconselha também leite fresco de vaca aos
pacientes. Planeja para breve realizar oficinas de crudivorismo em uma
fazenda na região de São Francisco Xavier, no interior de São Paulo.
Será o primeiro spa cru.
No Rio de Janeiro, há até um grupo de estudos. O Biochip foi
fundado por Ana Branco, professora do Departamento de Artes da PUC,
que vive de vegetais crus há dez anos. A dieta já virou princípio
artístico. A partir de extratos das frutas, sementes e hortaliças, Ana
cria pigmentos para compor o visual dos pratos.
Inspirada na experiência de mudança alimentar, a médica Maria Luiza
Nogueira, irmã de Ana Branco, criou na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
o projeto Terrapia, um campo de experimentação para as descobertas do
Biochip. ''O crudivorismo, ou alimentação viva, trabalha com o
conceito de energia vital'', afirma a médica. ''A dieta se baseia na
Biofísica, que estuda as questões dos elétrons, dos fótons, dos campos
eletromagnéticos. Você alimenta esse campo, não necessariamente a
matéria'', explica. O Terrapia, fundado há sete anos, tem uma horta
orgânica e um centro comunitário, aberto ao público. De segunda a
sexta-feira, os interessados podem aprender a fazer suco de clorofila
e preparar comida crua. Antes de comer, entoam um cântico indígena
cujo refrão, ''biu-porã'', significa ''comida boa''.
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ARTE Pigmentos derivados dos vegetais são
usados para embelezar os pratos
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Fotos: CarlosMagno/ÉPOCA
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