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IV Congresso Internacional de Agroecologia I Congresso Brasileiro de Agroecologia Apresentação
da Pesquisa Biochip em Porto Alegre
Calissa Sartori
Terminou
na sexta-feira passada, em Porto Alegre, o evento que conseguiu reunir
cerca de 3300 participantes brasileiros, em sua maioria,além de outros
tantos congressistas de 12 países, tais como, Espanha, Argentina, Cuba,
Costa Rica, Uruguai, México,Equador, um número expressivo de estudantes,
alguns agricultores, permeado por instituições relacionadas ao tema,
como a Embrapa, Emater, algumas universidades federais, entre elas, a
rural do Rio. Apresentando-se em 4 grupos temáticos,sociedade e natureza;
desenvolvimento rural; uso e conservação dos recursos naturais e manejo
de agroecossistemas sustentáveis, distribuídos em apresentações orais
e posters, em um total de 400 trabalhos científicos. Consideramos,
a priori, que foi um belíssimo manifesto de amor à vida, se levarmos em
conta os trabalhos apresentados pela professora Ana Branco cuja contribuição
levou à reflexão grande parte dos participantes desconhecedores
da singela bebida à base de folhas verdes escuras, cenoura,
pepino, maçã e do sumo das sementes de trigo germinado que se torna
20000 vezes mais energético, tornando-se bastante revitalizador, em épocas
de agrotóxicos, adubos, fertilizantes, hormônios, antibióticos,
aditivos químicos presentes nos alimentos, contaminação da água potável,
do ar que se respira, da irradiação de alimentos como forma de preservação
e, a mais recente conquista científica, a transgenia... A
pesquisa da Ana Branco não se restringe apenas a oferecer “ sucos de
luz”, assim denominados, aleatoriamente. A maior mensagem que pairou no
ar, durante a sua apresentação, foi o reconhecimento do amor à vida,
qualquer vida animal, vegetal, mineral. Ao planeta Terra que nos acolhe no
seu grande útero, aos frutos da terra, aos diferentes povos da floresta,
à luz, aos diferenciados tipos de solos para acolher as infinitas
sementes brotadas do chão para nos manter vivos, saudáveis, receptivos a
tantos bilhões de outros seres existentes no planeta tão desconhecidos
nossos, porém, não menos que nossos irmãos desamparados, entristecidos
pelas guerras, pelo ódio fraticido que diariamente enchem nossos olhos e
mentes de horror, de sangue,
de fragmentação do ser humano criado à semelhança de Deus... A
pesquisa da Ana Branco grita por nós. Há um chamamento explícito
naquelas delicadas palavras, a partir da semente de trigo que foi distribuída,
mão-a mão, no interior daquele auditório repleto, perto de 1000 pessoas
confortavelmente sentadas, sentindo-se parte e não parte daquela chamada
conferência, dessemelhante àquelas conferências badaladas, notadamente
científicas, mas de muito pouco acesso à grande população que nem
sequer sabem de sua existência, e que certamente, nunca saberão, porque
pesquisa-se neste país para dar status à determinada instituição ou ao
pesquisador que foi pesquisar dentro da linha de seu orientador. Por
que se pesquisa neste país onde milhões de brasileiros são desnutridos,
subnutridos, famintos de “pão e de beleza” no transcorrer de suas
singelas vidas, abandonados nos cerrados, nos semi-áridos, nos grandes
centros urbanos, à mercê de uns trocados nos semáforos, sinais ou
sinaleiras como dizem os gaúchos? Qual
das biotecnologias aplicadas à agricultura moderna, nos tornará mais
afeitos à dor de nosso irmão faminto? Qual
das biotecnologias aplicadas à agricultura moderna nos dará a certeza de
que os alimentos básicos da alimentação humana estarão contemplados na
sacola do mercado, na hora da compra dos alimentos? Afinal,
o que é alimento, para que serve, dentro da conjuntura atual,
modernizadora, não- ecológica, carregada de substâncias químicas
alienantes no processo de vida & saúde? Retornemos
à Ana Branco. Sua presença naquele evento foi um raio de luz misterioso,
ensinando aos presentes a preparar o suco da vida, toda paramentada, de
avental, acompanhada de um liquidificador que arranhava o som direto no
gravador, sob os olhares e as crenças e descrenças de tantos que ainda
ignoravam a magia e a mística daquele encontro não usual. Outra
pesquisadora “alternativa” que lá se apresentou, quase encerrando o
evento, foi a Clara Brandão, conhecedora dos mistérios da terra do sol
do oriente, nos deixou outra mensagem que eu diria semelhante ou da mesma
origem que a da Ana Branco. Clara
cuida de resgatar da memória
universal, a importância das plantas comestíveis, dos cuidados com a saúde
das crianças, das mulheres, dos idosos, principalmente, e como
identificar na natureza os benefícios à saúde, já tão esquecidos ou
transformados por força da mídia que todos os dias “martela”
nossa cabeça para comprar determinado produto que nada tem de
alimentício. Uma vez, questionando o uso de aditivos químicos nos
alimentos, em conversa com pesquisador
de reconhecida universidade brasileira, deparei-me com resposta
absolutamente absurda, mas que a ele conferiam-se títulos e méritos,
numa lógica absolutista, encarregada de nos trazer à luz, o progresso, o
desenvolvimento do conhecimento de que tantos não sabem e nunca saberão. Dessas
duas palestras, ricamente apresentadas, pois nos coloca no centro das
discussões como elemento imprescindível e fundamental à existência do
ser humano vivendo sobre a face da terra, nos leva a acreditar, cada vez
com mais certeza, que precisamos nos solidarizar e consagrar os produtos
da terra, razão de nossa existência, com seriedade e responsabilidade
para com todos os seres do mundo. Portanto, a vida dos seres humanos, cada
uma per se é única, não
havendo espaço para imaginarmos “ detentores do poder” em fazer e
desfazer à sua total revelia. Don
Mauro Morelli levou a sua contribuição aos congressistas com muito
entusiasmo e bastante questionador da sociedade em que
vive, já em boa fase de recuperação, após
acidente de carro sofrido em julho passado. Referindo-se à
soberania alimentar e sustentabilidade, disse-nos que não temos que ser
contra a fome. Ter fome é saudável. Temos é que nos valer da cidadania
para que todos possam fazer suas refeições, decentemente, em torno da
mesa e cercado dos familiares, como antigamente, e não ficar esperando
por tickets do governo, e sobretudo, pressionar os governantes locais.Don
Mauro também não poupou crítica à ausência do Ministério da Saúde
naquele evento, da urgência da reforma agrária e da qualidade e
quantidade dos alimentos compondo a refeição. Foi um belo testemunho do
Bispo de Duque de Caxias que não agüenta mais ouvir mãe reclamando de
fome. A
programação do evento que durou 4 dias, em Porto Alegre, esteve plena de
contribuições, que eu diria sustentáveis, em que se considere a
especificidade dos temas relevantes, no momento em que se busca o
paradigma para a sobrevivência dos humanos neste planeta. Cabe-nos
aqui registrar os “compromissos individuais e coletivos” de forma
relevante bem colocados pelo professor Martins da Universidade Católica
de Pelotas, sobre a inserção da academia na comunidade, em que pese a
população rural caminhando em busca de terra para plantar e viver, e o
comportamento alienado da instituição que expulsou os sem- terra quando
ocuparam parte da área da universidade. Ainda
visto pelos mesmos prismas,porém em sentido contrário, houve um
questionamento por parte da assembléia quanto à permanência dos acadêmicos
pesquisando, fora do país, e
o que isso significaria, de fato, para os brasileiros. Esta situação
remete-nos, igualmente, a nos colocar diante da sociedade e nos questionar
o que se pesquisa, para que e para quem se investe tanto em trabalhos
científicos que nunca serão lidos por parte significativa da população
alfabetizada e, muitas vezes, não terão sequer qualquer retorno para a
sociedade que sustenta e mantém as universidades públicas. Evidentemente
que não estou negando os valores que devem ser cultivados e desenvolvidos
pela intelligentzia, em nome da
sociedade, valores esses inalienáveis e, portanto, compreensíveis,
porquanto seres em constante
transformação, em processo de evolução. Por outro lado, a academia
muitas vezes não se percebe que somos seres em conflito, complementares,
cultural e socialmente falando dessemelhantes,
vivendo nesta escalada de sobrevivência. A
compreensão que se tentou fazer, ficou por fazer, na plenária que
habitualmente se ordena com os pares, sobre as decisões relevantes do que
se discutiu durante todos os dias do evento, e não apenas o pensamento de
uma minoria arbitrária que se manifestou em nome de cerca de 3300
congressistas, relegando a segundo
plano, a presença manifesta das pessoas naquele auditório. A “Carta
Agroecológica”, assim denominada, feriu os princípios de respeito e
solidariedade à vida por não incluir o apoio à reforma agrária sustentável,
às populações ribeirinhas, às atingidas pelas barragens, aos povos da
floresta, aos povos indígenas, aos quilombos remanescentes, aos pequenos
produtores rurais, à produção orgânica de alimentos, enfim à sobrevivência
neste planeta com todas as mazelas conhecidas e as desconhecidas, como a
transgenia de plantas e microrganismos. A
observação que se faz, é que os congressos, os seminários, qualquer
nome que se dê a esses encontros científicos, em nome da agroecologia,
reflita por fim, a troca de conhecimentos objetivando incluir todos os
segmentos da sociedade, com suas dimensões e
discussões inerentes, e aqueles, para os quais não temos
resposta. Sejamos
humildes sem sermos humilhados por lutarmos por um mundo melhor, em que
todos estejam incluídos neste processo de vida. Rio
de Janeiro, 25 de novembro de 2003 Calissa
Rosa Sartorato Nutricionista-
Sanitarista
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