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BioChip - Relatório Sul 2002 - Ana Freitas

Terça-feira, 8 de janeiro de 2002 travessia Rio de Janeiro - Trindade


agradeço ao grupo a parada no posto de gasolina onde comemos um prato de frutas. É muito nova esta sensação de parar num lugar e fazer coletivamente isto que fizemos.

agradeço ao mecânico Moacir que acalmou a Ana ao dizer que era normal o carro ficar daquele jeito ao descer a estrada por onde tínhamos acabado de passar.

agradeço a este lugar onde nós chegamos que tem um caminho de hibiscos por onde se tem que passar para chegar até a praia e agradeço ao grupo termos parado aqui.

agradeço por estar escrito em placas por toda parte " senhor, põe teus anjos aqui ".

agradeço ao grupo o tabule que fizemos.


Quarta-feira, 9 de janeiro de 2002 Trindade


agradeço ao Mário ter me mostrado uma posição boa de ficar embaixo da cachoeira, onde a água faz massagem nas costas e nos ombros.

agradeço à Ana ter ensinado ao Mário e a mim que agüentar o peso do corpo com os braços é agüentar o peso do nosso próprio afeto.

agradeço ao Ricci a árvore que ele plantou no meio do seu camping que tem sementes com tons de azul - esverdeado, elas têm um desenho que lembra um olho.


Quinta-feira, 10 de janeiro de 2002 travessia Trindade - Alumínio


agradeço termos seguido por este caminho pela serra da Bocaina, que eu não conhecia desse jeito.

agradeço ao Mário e ao Sorriso a performance dos dois ao abrir a jaca quando paramos para comer frutas.

agradeço à Ana ter observado que eles abriram a jaca com justiça, fizeram isto em tempo justo, exato, nem com pressa nem devagar, apenas a arte do tempo necessário que aquilo precisava para ser feito. Vi a beleza do gesto justo através dessa leitura da Ana, aprendi o significado da palavra justiça.

agradeço à Ana ter dito para eu ir na horta com a Marina colher as hortaliças.


Sexta-feira, 11 de janeiro de 2002 Alumínio - SP


agradeço à Marina ter experimentado os limites do meu corpo ao ingerir a batida energética feita por ela. Disso eu não vou me esquecer mais. É uma situação de atravessar a vontade do corpo com a lógica.

agradeço ao grupo quando carregamos as pedras até a construção laranja. Foi uma tarefa inacreditável. Agradeço a todos o bom humor altamente necessário para realizá-la.

agradeço ao Sorriso e ao Mário contando depois o som que a Marina queria que a água fizesse ao bater nas pedras: Ploc!


Sábado, 12 de janeiro de 2002 travessia Alumínio - Londrina


agradeço à Ana, depois de eu ter falado com a minha mãe sobre a peça dela com a Denise, ter me esclarecido sobre emoção, que ao alinhar a emoção com o sentimento, se pode ter discernimento sobre o que acontece.

agradeço ao grupo quando durante a travessia de carro tentamos não dormir.

agradeço à Neide e ao Gilmar a gentileza de terem nos guiado até o sítio Araucária com o carro deles na frente.

agradeço à Neide o cheirinho maravilhoso de citronella pela casa toda. Agradeço a ela e ao Gilmar esta casa maravilhosa, limpinha onde ficamos hospedados.


Domingo, 13 de janeiro de 2002 Londrina


agradeço à Ingrid pela conversa com desenho que tivemos hoje depois do almoço. Descobri com isso um dos usos do meu desenho que é a comunicação direta, como uma conversa, só que entremeada de desenhos.

agradeço ao Gabriel pelas sementes de mamona.

agradeço ao Gilmar pela horta maravilhosa de que a gente pode desfrutar hoje.

agradeço aos muitos tomatinhos que comemos direto na horta.

agradeço à estratégia do Gilmar de deixar propositadamente algumas bananas para secar, agradeço ao grupo nossa investida furtiva às bananas que estavam deliciosas.

agradeço poder provar do milho em seus vários tamanhos e sabores.

agradeço ao Mario nosso mergulho compartilhado à noite junto com os sapos em pleno funcionamento de orquestra.

agradeço à Ingrid por me apresentar ao balanço na árvore com direito à bolinhas de sabão.

agradeço à todos as nozes descascadas em família.

agradeço à liberdade de fazer um almoço como o de hoje, com tudo e quase apenas aquilo que está à nossa volta. Ver que isso é simples, uma mudança de atitude diante do que está à sua frente, à sua volta.


Segunda-feira, 14 de janeiro de 2002 Londrina


agradeço o som dos sapos, a orquestra noturna cada dia toca uma música diferente, com outros ritmos, outros espaços sonoros, outros solos. É um show à luz de estrelas.

agradeço ao Sorriso a serenidade na sua função de lavar as folhas, hoje durante a apresentação.

agradeço ao Mário nossas brincadeiras de falar besteira enquanto fazíamos o suco.

agradeço ao Gilmar sua humildade e sua generosidade.

agradeço ao Gilmar seus comentários precisos, sintéticos e estrategicamente posicionados, cheios de humor.

agradeço à Ana o creme de banana d'água bem madura que fizemos com o limão galego também daqui. Foi a primeira vez que comi isto quente, como um mingau com canela. É essencial ter algum tipo de ligação com antes para ter certeza de que você é você mesmo, até que a gente aceite inteiramente a liberdade.


Terça-feira, 15 de janeiro de 2002 travessia Londrina - Cascavel


agradeço a nossa cantoria espanta-sono.

agradeço à Neide ter nos apresentado um tempero japonês chamado miogá que usamos no tabule de hoje. A comida quando estamos no espaço entre dois pontos - neste caso, duas cidades - ganha uma outra dimensão. Como estamos em uma situação de limite, parar para comer, a decisão de quando fazer isso - um equilíbrio entre os quatro pontos do grupo - significa mais do que colocar coisas boca adentro. É um momento de mudar de posição e fazer uma sequência de gestos, uma dança em tempo mínimo que desemboca dentro da boca. Todo esse movimento e concentração é o que nutre. Descobrir também o ponto exato da quantidade que te cabe comer é um desafio. Essa dimensão em deslocamento, esse espaço entre tem uma forma estirada, esticada e precisa, onde a atenção é contínua, abrangente, mas não pontual.

agradeço ao Mário ter assumido comigo o experimento das lesmas, embora não tivesse que fazer isso.

Quarta-feira, 16 de janeiro de 2002 Cascavel


agradeço cada pessoa que assistiu a apresentação e escreveu para que isso serviu. Os relatos têm uma síntese e uma clareza impressionantes. Aprendi que as pessoas que não têm o hábito de escrever, quando escrevem, põe no papel apenas aquilo que elas querem dizer, com o menor número de palavras possível, porque demora muito ficar desenhando as letras. Quero aprender a desescrever com essas pessoas.

agradeço à Norma a conversa sincera que ela teve com a gente enquanto estávamos enrolando em filó as sementes para distribuir na apresentação.

agradeço à Ana ter observado que hoje o meu ritmo mudou, as tarefas foram simultâneas: fotos, passar as fotos para o computador, o suco verde com o Mário.

agradeço ao Mario a forma como conversava com a nossa ajudante no suco.

agradeço ao Sorriso sua observação ao filmar a apresentação da Ana da movimentação das mãos. De ver como esses gestos são um desenho da fala.


Quinta-feira, 17 de janeiro de 2002 Cascavel


agradeço o puta que pariu de berinjela que fizemos para o almoço.

agradeço os comentários da Ôra: "Não sabia que dava pra sobreviver comendo assim." e "A gente mata a comida e quer viver."

agradeço a quem nos apresentou à banana de mico.

agradeço à Ana por apresentar o quiabo à Ôra. Vejo neste ato um resumo singular do seu trabalho, apresentar com arte dois vivos que moram ao lado.

agradeço ao Sorriso pela persistência em achar o sinal do celular comigo, fazendo parte de uma cena muito engraçada: duas figuras carregando a mais alta tecnologia preta no sol atrás de um sinal em tracinhos no celular.

agradeço ao Mário o modo como matou a vespa que ousou atrapalhar seu almoço.

agradeço ter descoberto que a comida desanda se ninguém se apropriar dela, assim como qualquer outro processo.

agradeço a nossa conversa à noite sobre o que é ser artista. Agradeço à Ana com esta fala por ter me libertado. Que artista pode ser aquele que conhece em profundidade uma técnica e é capaz de abstrair este conhecimento associando a outras situações, inclusive com o próprio corpo. Essa definição não prende a uma atividade específica, a uma forma determinada. É uma natureza de relação, e não uma materialidade, ser capaz de abstrair para conceituar a partir dela. O especialista restringe sua arte ao resultado enquanto o real está na travessia. Ele se prende ao nome e à superfície das coisas. Separa seu ser trabalhando e seu ser em outro lugar.


Sexta-feira, 18 de janeiro de 2002 Cascavel


agradeço à Ana, a flor branca que ela me deu, quando estava toda vestida de branco, do cabelo, aos pés.

agradeço ao Sorriso e ao Mário pela conversa dos dois decidindo trocar de tarefas: um fazer o que o outro já estava acostumado.

agradeço à Ana quando ensinou o nado - gaivota que ela inventou; segue de costas, abraçando o que não se vê e traz com as mãos ao alcance dos olhos depois que já foi. Que isto é como ela se movimenta pela vida.


Sábado, 19 de janeiro de 2002 Cascavel


agradeço a água que tomamos de manhã da mesma forma que fazemos com suco verde. Chamei de suco de rio.

agradeço ao Sorriso pela cara que ele fez ao comer o melão caipira.

agradeço à Ana pela história da moto e por ter comprado melões caipira ao ver pessoas comprando depressa no supermercado. Foi realmente o melhor melão que eu já comi na vida, além disso é lindo, laranja por dentro, e a casca parece o desenho de um mapa de cidade.

agradeço ao Sorriso pela idéia de colocar as barracas dentro da casa para não pegar sereno.

agradeço ao Sorriso também a aula que me deu sobre o corpo; de como ele exercita o desígnio: que a gente é o que a gente deseja.


Domingo, 20 de janeiro de 2002 travessia Cascavel - Curitiba


agradeço ao Mário ter preparado o melão-tomate enquanto eu estava no computador para que eu pudesse comer.

agradeço ao Sorriso pelo bom humor durante a travessia.

agradeço à Ana a sua arte de identificar nas situações cotidianas padrões que abraçam um conjunto maior de situações. Abstrair e reaplicar esse conceito em outra forma concreta. Por exemplo quando estávamos fazendo tabule no Posto, ela observou que a única diferença entre as (santa)idades de cada um era que ela fez determinada ação mais vezes na vida. Que então fazia isso em menos tempo.


Segunda-feira, 21de janeiro de 2002 Curitiba


agradeço a nossa conversa sobre descobrir qual o tamanho de nossa fome e as mudanças que isso provocou no Mário e em mim.

agradeço ao Mario nossas conversas ao fazer o suco numa salinha na UFPR.

agradeço ao cara que estava aos berros na entrada da UFPR gritando: - "Só não consegue o que quiser quem não quiser!"


Terça-feira, 22 de janeiro de 2002 Curitiba


agradeço à Ana por ter compartilhado da sua descoberta de que ela não precisa de casa.

agradeço ao Sorriso sua percepção delicada da diferença do meu pescoço solto pelo pensamento. Experimentar que o corpo é um reflexo do pensamento, consciente ou não.

agradeço à Anne por ter provado o molho mesmo tendo pimenta que ela não gosta.

agradeço ao Klaus por dizer depois de comer que foi o ponto exato dele se sentir satisfeito. E agradeço também ter nos contado que tirou o bicho geográfico dele com gelo.

agradeço ao Sorriso a dança das nossas mãos na salada.

agradeço ao Mário e ao Klaus as sementes de jaca que distribuímos por buracos na terra.

agradeço ao Mário por pontuar este movimento.

agradeço ao Sorriso por ter trocado papéis ao fazer o suco enquanto eu filmava a apresentação.


Quarta-feira, 23 de janeiro de 2002 travessia Curitiba - Florianópolis


agradeço à Ana por ter observado e respeitado a natureza do Mário ao levar a jaca para viagem e ao mergulho no mar.

agradeço ao Mário seu modo de agradecer ao mar depois de mergulhar.

agradeço ao Renato quando paramos na "fruteira do gordo" a precisão de seus comentários: - " vocês gostam dessas coisas de ecologia?" e " - então vocês fazem pesquisa? " Agradeço também ter nos recebido com seus abacaxis.

agradeço termos parado para tomar água de coco.

agradeço à Suiá sua gentileza de colocar um bando em sua casa, no meio da sala.


Quinta-feira, 24 de janeiro de 2002 Xangri-lá


agradeço ao Mário seu comentário sobre meu desenho no caderno.

agradeço ao Sorriso a forma como varejou os restos da comida no mato, quando paramos no posto eu tentei fazer igual mas não deu certo.

agradeço à Ana a porcaria com os pés na mesa.

agradeço o suco de melão-tomate que fizemos, nunca imaginei que o gosto pudesse ser tão diferente do melão inteiro, mastigando para o melão em forma de suco - era muito mais gostoso.

agradeço ao Mario nossa conversa onde descobri que nós fazemos desígnio, projeto em quatro dimensões, e não em três como aprendemos a desenhar. São as três dimensões da largura, do comprimento, da profundidade e mais o tempo que inclui o movimento. Fazemos design de relações e não de objetos. Não são instantes fixos, com limites determinados, mas o movimento no tempo que inclui o nosso corpo. A noção de função das coisas e de observador e observado muda. No mesmo instante você constrói para se construir. Você faz e é feito. Isto é o dar e receber, isto é o aprender e ensinar. Projetamos um contínuo, uma linha, uma relação inserida numa teia de relações.

agradeço cada um ter trazido uma maçã para a apresentação. Fizemos o suco com as maçãs que as pessoas levaram.

agradeço ao Mário termos dado um banho de mangueira nas folhas.

agradeço ao Cláudio ter nos mostrado o templo massônico.


Sexta-feira, 25 de janeiro de 2002 travessia Xangri-lá - Bagé


agradeço ao grupo nossa sintonia no rio Camacuã.

agradeço ao Sorriso que parecia um jacaré quando mergulhou no rio.

agradeço à Ana por ter conhecido um rio como eu nunca tinha visto antes: com milhões de pedrinhas coloridas de todas as formas e tamanhos.

agradeço ao Mário a maneira como ele ficou olhando o céu quando estávamos na estrada onde os passarinhos pousavam no asfalto.

agradeço à recepção calorosa que a gente teve ao chegar na casa de fardo de palha.

agradeço termos decidido dormir acampados.


Sábado, 26 de janeiro de 2002 Bagé


agradeço ao Sorriso sua paciência em secar as sementes de melão caipira. Todo dia eu via o Vicente às voltas com aquelas sementes.

agradeço à Ana por ter dito isso é que é liberdade quando comemos um creme de banana pela manhã feito com a energia da bateria do carro.

agradeço ao Mário quando o João estava tentando desentupir uma pia e cortou a mão. Então o Mário desentupiu a pia e a mão dele.


Segunda-feira, 28 de janeiro de 2002 travessia Bagé - Porto Alegre


agradeço ao Mário a água que pegou no olho d'água em Bagé antes de viajarmos, que estava uma delícia.

agradeço ao Sorriso o modo como tirou um inseto pousado dentro do vidro do carro. Fez uma concha com a mão, e, abrindo o vidro lentamente com a outra mão, conduziu o inseto até ele cair no vento fora do carro.

agradeço à Ana ter compartilhado de seu momento de luz na travessia.

agradeço ao Mario a observação atenta do caminhão de amarração mínima na estrada, ter saído do carro para ver de frente quando o caminhão parou no pedágio, e pelo desenho que fez logo depois dessa observação.

agradeço ao Sorriso quando, antes de chegar em Porto Alegre viu o mapa e observou que a entrada era pela ponte, ainda em tempo de pegar a entrada.

agradeço à Ana a explicação sobre o fogo quando viu a lanterna de lata e vela que o Mário usava dentro da barraca. Que o fogo não pode ser contido em espaços, ele é um ser vivo que se expande.


Terça-feira, 29 de janeiro de 2002 Porto Alegre - RS


agradeço à Ana a descoberta dos girassóis com as sementes dentro e que se pode comer as pétalas amarelas.

agradeço ao Mário as conversas que temos tido a partir dos desenhos de nossos cadernos. Isto pra mim foi muito importante, ter os desenhos de meus cadernos compartilhados para a comunicação, a conversa.


Quarta-feira, 30 de janeiro de 2002 Porto Alegre - RS


agradeço ao grupo o tempo que passamos S P A r r a m a d o s embaixo da sombra do abacateiro.

agradeço à Ana a brincadeira de casinha. Arrumamos um espaço perto da horta onde colhíamos as verduras, e brincamos lá dentro colocando mesinha, banquinhos. Isto me pareceu igualzinho brincar de boneca. Agradeço à Ana por me apresentar a realidade com brincadeira.

agradeço na oficina de desenho com frutas na Feira da Coolméia ao Sorriso quando carregamos juntos o tampo da mesa com os pigmentos, (eu atrás, ele na frente) e ele falou: - Você é que dita o ritmo.

agradeço ao Mario ter me oferecido um desenho para comer e agradeço ter decidido não comer os desenhos de frutas e ter conseguido fazer isto, pois não estava me sentindo bem. Isto foi uma resposta ao meu pedido de descobrir a verdadeira dimensão da minha fome.

agradeço à Vitória a presença e o abraço.

agradeço à Ana e ao Sorriso que amarraram os bambus no rack do carro com um único extensor.

agradeço ao grupo a consciência do prato de frutas, todos se sentiram satisfeitos comendo muito menos quantidade de frutas que os outros dias, foram alimentados pela trama de pessoas que fizeram os desenhos.

agradeço à Ana o cafuné espontâneo quando estávamos em volta da fogueira sendo "defumadas".


Quinta-feira, 31 de janeiro de 2002 Porto Alegre - RS


agradeço ao Mario abrindo o coco com vontade e certeza de que de algum jeito ele seria aberto.

agradeço à Ana ter feito as bandeiras de cores soltas com o vento e de brincar de falar para as pessoas fazerem pedido quando passavam embaixo do arco-íris no meio da passeata do início do FSM.

agradeço ter descoberto ao levar a bandeira ( ou ela me levar) que há um ponto de equilíbrio onde eu não preciso fazer força nenhuma tanto para manter a bandeira no alto, quanto para andar. Pude estender esta descoberta a outras situações, procurar em tudo o que faço este ponto exato onde tudo está em paz.

agradeço ao Sorriso que disse que não interrompe ninguém ao iniciar uma ação, ele deixa isto acontecer, e então dá um toque se for o caso.


Sexta-feira, 1º de fevereiro de 2002 Porto Alegre - RS


agradeço ao Mario e ao Sorriso a malandragem quando estavam já conversando com o guarda sobre bambu. Ele tinha ido ver na verdade o carro que estava estacionado no lugar que não podia e quando cheguei, os três estavam na maior conversa, descontraídos, apoiados no carro.

agradeço à Ana ter decidido afinal que a gente não ia dar a oficina no Forumzinho, já que não havia crianças nem frutas para participar. Tanto nesta ocasião quanto antes da passeata, que choveu, ter a liberdade de decidir ir ou não ir. Agradeço pela sua arte de lidar com a liberdade.

Penso que é isto que estou aprendendo nesta viagem: a arte de lidar com a liberdade. O que você faz quando tem uma horta inteira à sua disposição, não de graça, mas na graça? Você come com arte exatamente aquilo que cabe no teu estômago e nos teus olhos agora. Você descobre o exato tamanho de sua fome agora. E só, porque só isso que te cabe agora. Tudo flui ininterruptamente. Nenhum esforço é necessário para fazer as coisas. Há uma posição, um ponto de equilíbrio, um lugar sutil e delicado por onde flui o presente. Isto acontece quando você exerce sua natureza. Isto acontece quando você é apresentado à origem.


Sábado, 2 de fevereiro de 2002 Porto Alegre - RS


agradeço poder ter visto e participado de uma feira linda, imensa, com produtos orgânicos. Nunca tinha visto uma feira tão comprida.

agradeço à nossa sincronia com uma atividade de cada lado da feira de rua.

agradeço à mulher que perguntou - Como assim não tem água neste suco? Então eu pude responder: - Vou fazer isto agora, olha só!


Domingo, 3 de fevereiro de 2002 Porto Alegre - RS


ao final da apresentação na PUC-RS no FSM, perguntaram ao Sorriso se comia-se argila. agradeço ao Sorriso falando que não comia argila não, que só comia o que era gostoso. Se fosse eu, acho que eu não teria forças para responder isso, de tanto rir.

agradeço ao Mário sua atitude na posição de recepção das pessoas na porta da sala onde a palestra já estava acontecendo há algum tempo. Ele disse para a mulher que estava fazendo este trabalho que ela poderia ver a apresentação, já que nós já estávamos naquela posição.

agradeço também ao Mario de ter visto ele desenhando a estrutura da lona branca na PUC-RS. Agradeço a precisão de seu traço.

agradeço à Ana ter entrado no espaço entre as duas outras apresentações e demonstrado como se faz o suco.

agradeço também, termos concluído que graças a Deus, esta viagem não teve como ponto principal a apresentação no Fórum Social Mundial, até porque esta foi uma das mais desorganizadas. Que esta viagem foi realmente feita no meio do caminho e não nos pontos de parada, de início ou de chegada. Penso que aí esta o ponto exato de mudança de percepção de objetos para relações, de corpo para a vida, de matéria para o que não tem limites.

agradeço ao grupo a confiança na apresentação de hoje, a certeza daquilo que se está fazendo.


Segunda-feira, 4 de fevereiro de 2002 Porto Alegre - RS


agradeço à Ana pela idéia de colher girassóis para levar no Acampamento da Juventude para que as pessoas possam tirar as sementes da flor vendo assim a origem delas. Foi uma cena linda.

agradeço ao grupo a maravilhosa extensão do cotidiano nosso no Acampamento.


Terça-feira, 5 de fevereiro de 2002 Porto Alegre - RS


agradeço ao Mário quando observou ao comer melancia que era mais gostoso comer da casca pra dentro porque a parte mais doce fica no miolo. Sempre que eu for comer melancia vou lembrar que o Mário disse isso.

agradeço ao Sorriso ver ele filmando a palestra na Coolméia encaixado na abertura que tinha na parede.

agradeço à Ana seus olhos brilhando quando acabou a palestra hoje.


Quarta-feira, 6 de fevereiro de 2002 travessia Porto Alegre - Florianópolis


agradeço ao Frei Kleir sua esplêndida explicação de como sair de onde estávamos até a estrada que íamos pegar. Mario havia pedido para ele mostrar no mapa de Porto Alegre e ele disse: - Eu faço um mapa para vocês. E desenhou então várias retas seguidas em direções diferentes, sem nome se rua nenhum. Isto contribuiu muito para boas gargalhadas no carro.

agradeço à chuva de granizo em sua natureza de força e em sua exatidão com que nos afetou. Paramos o carro embaixo de um teto de metal num posto de gasolina na exata hora em que nos foi dada a vontade de almoçar e fazer xixi, caiu esta chuva com pedras de gelo como há muito tempo não via.

agradeço à Ana e ao grupo o tabule maravilhoso que comemos.

agradeço ao Mário e ao Sorriso nossa brincadeira para chamar a Ana quando o prato de frutas ficou pronto e ela estava conversando com a mãe da Suiá.


Quinta-feira, 7 de fevereiro de 2002 travessia Florianópolis - Peruíbe


agradeço esse nosso mergulho no mar, essa água com ondas baixinhas e essa praia de areia preta.

agradeço o arco-íris no mar que coroou nossa viagem.

agradeço nossa conversa no Tucano`s camping depois de comer o prato de frutas.


Sexta-feira, 8 de fevereiro de 2002 travessia Peruíbe - Rio de Janeiro


agradeço à esperança que pousou em mim antes da gente entrar no carro.

agradeço ao Vicente o modo como arrumou os objetos no carro, no último dia de viagem, tudo ficou definitivamente no melhor lugar que poderia estar. Sobrou muito espaço e foi possível ver pelo vidro de trás do carro.

agradeço à Ana espantada quando chegamos no Rio de apesar de ter dirigido tanto não estar nem um pouco cansada. E podia, apesar de estar escuro já, enxergar tudo com nitidez.

agradeço ao Mário na hora em que pegou o tambor para tocar, e cantou ao mesmo tempo.

agradeço ao grupo a sintonia nos últimos dias de travessia, que me fez não sentir cansaço algum depois das viagens.

agradeço à mata que nos acompanhou ao longo da estrada, ora com flores roxas, ora com bambus que costuram a mata verde, e com muitos capins de penachos floridos.

agradeço a nossa parada no mesmo lugar onde tínhamos parado na vinda, e que desta vez fomos presenteados com música ao vivo.

agradeço a todos por termos seguido por esta estrada ao longo do litoral.

agradeço nesta viagem descobrir que você existe no olho do outro.

agradeço ter descoberto que não foi necessário trazer a câmera fotográfica herança de meu avô que sempre me acompanha nas minhas andanças. Esta viagem não precisei dela.



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