Laila Nuñez CONCLUSÃO 2016.2
Dia 25/09/2016
Agradeço à corda de sisal por ter me proporcionado essa dinâmica única. Surpreendeu-me que, mesmo com as pessoas deixando a rede, todos nós continuamos sustentados pelos demais e com o nosso próprio espaço. O fato de não sermos essenciais para a manutenção da rede, me ajuda, de certa forma, a pensar que não posso me responsabilizar pela ação ou pelo sofrimento do outro, mesmo que tenhamos depositado toda a força ali. O inverso também é verdadeiro, por consequência. O meu conforto, o meu bem-estar e minha estabilidade não dependem de mais nada, nem ninguém, além de mim. Nesse sentido, o autoconhecimento como trabalho constante é o próprio movimento da vida, como experienciamos na teia.
Dia 01/09/2016
Agradeço à cenoura pelo fato de se transformar tanto e de permitir tão variadas formas, o que me fez perceber o quão mais rica e grandiosa podem ser nossas relações alimentares. A cenoura como união entre a Terra e o Céu também foi algo que me tocou profundamente, que, certamente, me trouxe um novo e mais maravilhado olhar sobre tudo que a Terra pode nos oferecer.
Dia 06/09/2016
Agradeço à corda de rami por ter me permitido sentir no corpo o peso do outro e o meu próprio. O exercício em dupla foi particularmente mais difícil do que individual porque dependíamos diretamente do movimento do outro, mas encontrar o equilíbrio em dupla também foi mais gratificante. Quando começamos o exercício individual, não estava conseguindo ficar confortável, sem me machucar em alguma parte, mas, graças às tentativas, logo me acostumei com as tensões e com as limitações do meu corpo. No final, já estava conseguindo vislumbrar a quantidade de posições e formas que ele, do jeito que é, pode assumir.
Dia 15/09/2016
Agradeço à experiência que tivemos com o desenho e a fermentação dos repolhos e da cenoura, que me fez refletir sobre as alternativas que temos para nos alimentarmos de uma forma vivificada. Nas últimas aulas, percebi como nossas mãos, produzindo nossa comida dessa maneira tão próxima, tão íntima, são nossa maior força espiritual. Sinto uma energia tão forte fluindo da gente pro alimento e do alimento pra gente. Respirar o aipo me fez sentir limpa como não me sinto normalmente. Observar os efeitos da fermentação também foi uma parte muito interessante da aula, porque não esperava que a comida fosse borbulhar com os bichinhos.
Dia 22/09/2016
Agradeço ao filme “Os camelos também choram” pela maravilhosa sensação de comunhão e transcendência que provocou em mim. O carinho, o amor que a família sente pelos animais existe e é tão forte porque, diferente do que comumente se vive, eles creem, de fato, na Vida que perpassa e une toda a Terra. Assistir ao camelo chorando foi contagiante demais, fez a turma inteira chorar silenciosamente junto. Acho que foi um dos filmes e uma das aulas mais simples que mais me emocionaram. O som do canto da mulher ao camelo me deixou completamente arrepiada, da cabeça aos pés, sentindo na pele a sensibilidade deles naquele momento.
Dia 27/09/2016
Agradeço à argila pela sensação que gerou a Terra em minhas mãos. A diferença de textura que se mostrava conforme eu mudava a direção dos dedos. O geladinho e o cheiro do material, que eu não esperava, me lembraram do próprio mar. Os 15 mil anos que fazem parte da história viva da argila, de alguma forma me fez perceber como minhas perguntas eram pequenas, irrisórias, diante da sabedoria de toda uma vida experiente e eterna, que é a da própria Terra em movimento. Quero me sentir parte de tudo isso. A sensação da argila ainda está na minha pele, se transformando, se contraindo, se alargando... permanecendo a mesma, mas deixando um pouco de si em mim.
Dia 29/09/2016
Agradeço às cores da beterraba, do repolho, do inhame e da abóbora por terem me surpreendido tanto com sua vibração e sua beleza. São as cores puras, que transmitem coisas diferentes antes mesmo de serem provadas. Estava observando as mãos vermelhas das pessoas que ralaram a beterraba e estava achando lindo. Parecia sangue, tinta, pau-brasil. Queria fazer adornos e desenhos pelo meu corpo com esse pigmento. Estava com uma tremenda vontade de tingir de beterraba a tatuagem que tenho no pulso. Outro momento da aula que me tocou foi quando pensei sobre o “silêncio do branco”. O branco, que sempre foi minha cor preferida sem que eu soubesse por quê, ganhou uma nova dimensão quase poética pra mim. Os sabores dos sucos, individuais e misturados, me impressionaram também. A ideia de estar bebendo luz líquida tornou toda a experiência mais bonita!
Dia 06/10/2016
Conchas são conhecidas por carregarem o som do Mar. Hoje, eu agradeço a elas porque, além de ouvir as águas que correm por elas, eu pude sentir o peso, a resistência, a textura, a impressão que deixam individualmente em mim. As linhas e camadas das conchas parecem as próprias marcas da pele, com suas formas e furinhos; o som do Mar conservado nelas parece o som do próprio útero da Mãe. Cada uma delas é única, com uma cor especial, um formato diferente, uma sensação distinta que traz. Quando combinadas, formam uma verdadeira escultura. Elas se encaixam direitinho. Vi claramente, em uma delas, uma marquinha branca na forma de bailarina. Em vários momentos, fiquei completamente arrepiada como toque e o peso das conchas. Quando as soltei e passei as mãos no rosto foi uma das sensações mais tranquilizadoras que senti.
Dia 11/10/2016
Eu agradeço à graminha de trigo e girassol que cultivei por terem me dado o prazer de cuidar de algo. Logo no começo da aula, quando soubemos que teríamos de cortá-las para a atividade, todos se sentiram tristes por terem de desapegar das plantinhas. Mas foi importante ouvir que o apego só existe enquanto pensarmos que essa será a última que cultivaremos. O desapego vem com a prática, e eu certamente plantarei de novo. Foi muito interessante observar as diferentes tonalidades entre as plantas dos colegas, que formavam uma gradação certinha de verdes. Nenhuma ficou igual à outra. Quando estávamos picando as plantas com as mãos, o som crocante e o cheiro que emitiam foram muito tranquilizantes. Observar as cores de cada suco foi muito surpreendente, elas ficaram particularmente visíveis na espuma – a da couve era bastante saturada, a de hortelã era um verde musgo, a do trigo quase neon. Os sabores também foram muito diferentes, mas todos muitos fortes. O sabor do trigo foi o que mais gostei. Foi o mais estranho, porque não era um sabor familiar, mas o gosto que ficava na boca foi mais agradável que os dos outros. Novamente, a ideia de estar bebendo cores é indescritivelmente encantadora!
Dia 18/10/2016
Eu agradeço à mandioca e ao seu branco por toda a calmaria e a profundidade que me trouxe transformá-la em farinha. Acompanhar todo o processo e ver como se extrai a tapioca, por exemplo, foi bastante didático e enriquecedor! O preparo foi uma espécie de meditação, de ritual sagrado, porque realmente me senti tomada pelo aipim, suas formas, seus odores e suas texturas.
Dia 20/10/2016
Eu agradeço ao pimentão vermelho, ao coentro, à cebola, à farinha de mandioca e à lentilha germinada por formarem, juntos, um delicioso bolinho. O processo de descascar a lentilha fazendo os grãos boiarem na água foi uma verdadeira meditação. Depois, quando provamos a mistura, fiquei muito surpresa e satisfeita com o sabor, porque já tinha estabelecido para mim mesma que não gostava de pimentão e lentilha. Que bom que eu não hesitei em prová-los novamente; dessa vez, depois de todo o contato que tivemos diretamente no preparo dos alimentos, achei a combinação muito boa!
Dia 01/11/2016
Eu agradeço à terra de um mês, seis meses e um ano pela surpresa que foi observar o processo de transformação da vida na Terra. A minha expectativa era que, quanto mais idade a terra tivesse, maiores seriam os bichinhos que a habitassem. No entanto, o que vimos foi uma terra cada vez mais fininha, mais porosa. Essa aula foi um grande desafio para mim. Tocar nas minhocas, nas lacraias, nos papa-defuntos foi difícil, porque tendemos a ter medo e a estranhar o contato com esses bichinhos, como nos foi ensinado. Acho que o que ficou de mais bonito foi a frase “o medo ocupa o lugar do amor”. Foi perceber como que nos afastamos, voluntariamente, da Mãe Terra, e como isso destrói todas as relações que poderíamos tecer com os seres vivos que fazem parte de nós também.
Dia 03/11/2016
O primeiro aspecto que observei ao assistir a “A Dança das Sementes” não foi relacionado ao próprio conteúdo do filme. Foi, na verdade, a incongruência entre a temática principal do vídeo – sobre o descobrimento da terra e da diversidade da vida como o descobrimento de si mesmo – e os sons de máquinas, buzinas e gritarias que vinham da rua e abafavam o som da sala entre árvores. Ali, entre dois barulhos completamente diferentes, percebi, rapidamente, o que todos diriam mais tarde no filme: a tecnologia e a ciência trilharam o nosso desenvolvimento em prol de outra coisa qualquer que não a Vida, que não a Terra e o autoconhecimento. Foi um progresso que permitiu que acelerássemos o tempo e produzíssemos em larga escala, mas que não deixa espaço para filmes como “A Dança das Sementes”, “Fase Agrossilvicultura” e “Horta Brasileira”. No geral, sou grata a esses três pequenos vídeos por me apresentarem pessoas e grupos que trabalham com uma sensibilidade e uma lógica diferente, a partir de um entendimento integral das nossas relações na Terra. Como que a vida precisa de outra vida para ser saudável e plena, e, nesse sentido, como todas as práticas do agronegócio, do latifúndio, precisam ser rejeitadas. Ganha força a agrofloresta! A própria natureza, entre si, se regenerando e se renovando.
Dia 08/11/2016
Eu agradeço à cenoura, ao pimentão vermelho, ao aipo, à maçã, ao curry, à cevadinha germinada, ao feno grego e à cúrcuma por, quiçá, a comidinha viva que mais gostei do curso! Além do gosto que, em si, me surpreendeu, foi muito interessante acompanhar o processo de esquentamento com o fogo, até a temperatura das nossas mãos. O bolinho ficou à temperatura ambiente, bem temperadinho e só um pequeno punhado me saciou por completo!
Dia 10/11/2016
Em dois momentos tive a sensação de estar tocando em água, não em areia: quando a deixei deslizar das minhas mãos para a prancheta e os grãos se sobrepuseram como gotas de chuva; e mais uma vez quando a deixei deslizar para cair no meu braço. O toque da areia na minha pele me provocou essa sensação de água correndo. Era terra espalhada sobre mim e eu não me senti “suja”, me senti limpa. Nem queria que ela caísse do meu corpo. Outra descoberta pela qual sou grata, que a areia me proporcionou, é que, na verdade, sou uma ótima desenhista! Qualquer movimento que fazia com meus dedos ou unhas imprimiam na areia uma forma bonita, diferente e irreproduzível. É muito fácil desenhar com ela, parece que, até quando não achava que a forma final ia ficar bonita, os grãos se reorganizavam, surpreendentemente sozinhos, de uma maneira tal que era impossível não admirar. Às vezes sentia que os meus movimentos não pareciam os mesmos que a forma que a areia tomava. “É um desenho a mil mãos”, um colega disse em sua gratidão, e descreveu exatamente essa sensação!
Dia 22/11/2016
Nessa aula, anotei vários livros que me pareceram interessantes. Particularmente, os trechos de Maturana que foram lidos me tocaram bastante, principalmente o Poema do Estudante e um trecho de “Emoções e Linguagem na Educação e na Política” no qual o neurobiólogo discorre sobre a democracia como “uma obra de arte político-cotidiana”. Sou muito grata por ter sido apresentada a este autor ao longo do curso, acredito que ainda vou aproveitá-lo muito! Outro momento que me marcou muito foi quando a professora contou sobre o momento em que decidiu transformar a sua relação com os alimentos, que descobriu a “doença como um caminho”. Essa frase ficou ressoando na minha cabeça por um tempo, particularmente porque descobri, na última semana, uma série de irregularidades na minha saúde e estou pensando sobre os motivos que me levaram a adoecer. Tentar enxergar a doença como uma oportunidade de transformação, como uma possibilidade de testar novas alternativas, foi importante para mim naquele momento e ainda está sendo um processo constante de compreensão pessoal.
Dia 24/11/2016
Eu agradeço aos documentários “Super Size Me” e “Conexão Dioxina” por servirem de mais um alerta sobre o modo de alimentação e de vida que fomos ensinados e escolhemos. São filmes que nos abrem os olhos para como nos cercamos de produtos venenosos, corrosivos, que intoxicam o nosso corpo e nos afastam de nossa natureza. Para além do próprio conteúdo desses documentários, me assusta o fato deles não serem divulgados, não serem apresentados a nós mais cedo, quando ainda estamos construindo e consolidando nossos hábitos alimentares. Sem dúvida, são filmes com essa potência, com essa força de informação que poderiam nos ter feito redescobrir nossas relações com a Vida mais rapidamente.
Agradecimento final à convivência com o BioChip:
Não sei bem por onde começar essa gratidão final ao curso. Muitos disseram que a aula foi uma terapia, um momento de respiro e calma. Sim, foram momentos que nos tiravam de uma rotina maquinal, utilitarista e de afastamento com tudo que nos constitui. Contudo, não houve uma aula sequer que eu não saísse pensativa e angustiada de alguma forma. Angustiada por perceber, cada vez mais, as nocividades do modo que escolhi viver, apartada da terra, com medo da natureza, com receio de provar novos alimentos.
Se eu tivesse que escolher uma frase que representasse o que a convivência com o BioChip me ensinou foi que "o medo ocupa o lugar do amor". Foi na aula de reconhecimento de terras de diferentes idades que a professora disse isso e esta sentença ficou ecoando em mim. Acho que sintetiza muito bem a inquietude que eu senti a cada aula, pela percepção de que levo a minha vida fundada no medo. Compreender a nossa existência através do BioChip foi importante justamente porque, diante dessa constatação, me ofereceu uma perspectiva de uma vida diferente, integral, amorosa e, principalmente, possível.
Esses quatro meses de aprendizado me fizeram acreditar que não é impossível viver com esses hábitos. É desafiador, sim, mas, ao mesmo tempo, torna a Vida e todas as nossas relações muito mais fáceis, muito mais simples e orgânicas. Levo, daqui, muitas ideias e visões de mundo distintas, muitas descobertas, muitas gratidões, receitas, desenhos, cores, sabores, a canção de agradecimento à Terra, livros e informações que me faltavam.
Que angustiante é perceber nossa ignorância diante do mundo, mas que reconfortante é saber que podemos construir conhecimento e construir verdade única e puramente através do nosso contato com a Natureza, basta revivermos uma relação perdida com o que provém da Terra. A areia, as conchas, a argila e a própria terra, em si, como fontes desse saber milenar que está aí, acessível a todos nós. Espero conseguir, cada vez mais, colocar todos os meus aprendizados e as experiências que o BioChip me permitiu em prática, de modo a transformar a minha Vida e tocar, minimamente, a de todos que me cercam. Serei eternamente muito, muito, muito grata por tudo isso!