Festa da Prova
Entre as árvores
Luiza Studart , Biochip 2017.2
Existem coisas que a gente fica horas para conseguir entender. Outras, dias e dias. Algumas nunca entendemos. Às vezes não estamos preparados para receber informações ou sabedorias. Eu precisei de alguns rascunhos, folhas de caderno e reflexões no banho para pôr em palavras a infinidade de sensações que as aulas me geraram. Aquilo tudo era, no mínimo, mínimo, lindo. Ver pessoas lidando com a comida de uma forma tão respeitosa era uma forma de ver acontecendo tudo aquilo que eu sempre acreditei. Era a demonstração de gratidão e respeito pela Mãe Terra, o trabalho do coletivo, o entendimento das responsabilidades, enfim, a conexão entre todas as energias que permitem a nossa vida.
Produzir gratidões pode parecer fácil, mas na prática, quando aquilo te toca tão profundamente, parece não serem suficiente as uniões de letras. Mas produzir o discurso da gratidão é, acima de tudo, criar a possibilidade de perceber para além da nossa existência. As gratidões são individuais sim, mas elas são plurais quando representam o grupo - quando as pessoas se identificam com aquele seu discurso. No fundo, é importante perceber a força que ser grato pode gerar em todas as esferas, desde a menor até a maior - você como indivíduo, o seu grupo, comunidade, país, mundo. Ser grato ao Universo por tudo aquilo que nos permitiu perceber. E como ser grato deve ser um hábito na nossa rotina para entendermos que o tudo se entrelaça e se liga.
Aquela tenda, aquele ambiente, aquela presença ativa mudou muito a Luísa que entrou já sabendo que seria impactada. Ela só não tinha noção do quanto. E fez com que eu mudasse muito a minha percepção individual do meu eu. Para uns, o Biochip faz aprender muito sobre o coletivo, assim como fez pra mim. Mas o aprendizado foi além e se tornou um processo de reconhecimento de mim mesma - coisa que eu nunca fiz. Eu sempre negligenciei o meu ser em detrimento do outro e eu aprendi que temos que ser estruturas sólidas para, enfim, sermos bases de outras pessoas.
Parece louco pensar que todas essas reflexões surgem do ato de ‘cozinhar’, de tratar os alimentos e de interagir com elementos até então tão despretensiosos. Quando é que eu poderia imaginar que conchas e argila poderiam me trazer verdades e confortos tão grandes e intensos? Se é dos loucos, que sejamos loucos então. Que conversemos com conchas, terra, frutas, frutos. Que respeitemos os seres e sejamos acusados de malucos. Maluco mesmo é quem negligencia a comida e se mata de pouco em pouco.
Eu tenho muito medo do egoísmo que vivemos hoje. Tenho medo dos desdobramentos, dessa doença e desta cegueira causada pela vontade de se fazer apenas aquilo que diz respeito aos próprios interesses. Mal sabemos que, ao negligenciar tudo ao redor, o redor nos negligencia de volta. Que ciclo doentio nos metemos ao sermos egoístas, não é?
Reflexões que dizem sobre como eu acredito no poder de transformação da sala de aula entre as árvores. E entre as árvores moram os momentos mais inesquecíveis e os aprendizados que não poderiam nascer de outra forma. Entre as árvores mora uma mensagem de vida e de amor - ao outro e a si. Entre as árvores tem o calor que permite a vida. Entre as árvores tem a inocência e a sabedoria. Entre as árvores mora o tempo. Entre as árvores mora um conhecimento perene e genuíno. É lá que se revelam as pessoas que se deixam impactar por esse diálogo e aquelas que passam com fugacidade por ele. Entre as árvores moram momentos de gratidão. Entre as árvores mora a nova Luísa que nasceu lá no dia da Festa da Prova.